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Beleza ancestral
Estudo sugere que a evolução da voz humana começou há centenas de milhões de anos, quando éramos peixes
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele é feio que dói, o tipo
de peixe que você encontraria em um pesadelo; não por nada,
seu nome vulgar é peixe-sapo. Mas ele tem seu lado
romântico, pois entoa um
"canto" para atrair a fêmea.
Uma das espécies do animal inclui um macho ainda mais
atencioso, que se compromete
a tomar conta dos ovos fertilizados. (Fêmeas adoram compromisso.) Em contexto de
agressão, como defesa de território, macho e fêmea grunhem.
Se sua beleza visual não é um
grande atrativo, pelo menos o
peixe-sapo atrai os cientistas
pelo som. Ao estudar o sistema
nervoso de larvas de três espécies de peixe-sapo, biólogos verificaram que o circuito nervoso necessário para essas vocalizações é semelhante ao de outros vertebrados mais complexos, como aves e mamíferos,
incluindo os humanos.
Trocando em palavras, a origem da fala surgiu na evolução
biológica com os peixes, bem
antes de os animais começarem a andar em terra firme. O
ancestral de todos os cantores
de hoje estava nadando há centenas de milhões de anos.
"A água é um meio excelente
para a transmissão de som. O
uso de som para propósitos de
comunicação social é freqüentemente encontrado em peixes
que têm hábitos de reprodução
noturnos, quando outras pistas, por exemplo, visuais, teriam mais limitação como sinalização social", disse à Folha
Andrew Bass, da Universidade
Cornell, de Ithaca (EUA), principal autor do estudo, publicado na revista "Science" ao lado
de seus colegas Edwin Gilland
e Robert Baker.
Usando corantes fluorescentes, eles mapearam através de
microscopia os diferentes grupos de células cerebrais em desenvolvimento de larvas de
três espécies de peixe-sapo típicas do Atlântico Norte -o
Opsanus beta, o Opsanus tau e
o Porichthys notatus.
Fala que eu te escuto
"Os sons dos peixes-sapo podem facilmente ser ouvidos debaixo d'água e mesmo ficando
perto de um aquário com eles",
diz Bass. Para os humanos, a laringe e o ar dos pulmões são essenciais para a criação da fala.
Para os peixes, os sons vêm do
ar dentro de um órgão especializado, a bexiga natatória, que
ajuda o peixe a controlar a profundidade de natação. Os músculos ligados a ela podem ser
ativados pelo circuito no cérebro para produzir sons primitivos -basicamente zumbidos e
grunhidos sem muita variação.
Outros peixes, mesmo os que
não produzem sons, também
são capazes de ouvir os peixes-sapos. "Todos os peixes têm um
ouvido interno que é extremamente sensível aos sons que os
peixes-sapo e outros produzem", diz Bass. "Os peixes têm
quase todas as partes do ouvido
interno de um ser humano com
uma exceção: a cóclea."
O peixe-sapo Porichthys notatus, é conhecido popularmente nos EUA como "mid-shipman", (guarda-marinha,
em inglês), nome que certamente não deve agradar a esses
cadetes navais, pois trata-se de
outro peixe bem feio. Essa espécie tem órgãos luminosos para atrair a presa, e o nome popular possivelmente deriva deles, pois lembram botões dourados de um uniforme naval.
O P. notatus tem duas formas
de macho. O "tipo 1" é maior e
chegado em compromisso: cria
família dentro de um abrigo rochoso. O "tipo 2", é uma espécie de "Ricardão": aproveita-se
de seu tamanho menor para se
esgueirar na toca e tentar fertilizar parte dos ovos da fêmea.
Apenas o macho 1 vocaliza
para atrair a fêmea, e pode ficar
a noite toda nessa "serenata".
Machos 2 e fêmeas só vocalizam em outros contextos.
"Um dos motivos pelos quais
este estudo é tão interessante é
que nós geralmente não pensamos nos peixes usando vocalizações", diz a bióloga Melina
Hale, da Universidade de Chicago. "Por isso parece incrível o
fato de eles o fazerem e de usarem controles neurais comparáveis." Ela e seu colega Daniel
Margoliash comentam o estudo de Bass na "Science".
Segundo Hale, a vocalização
permite uma forma de comunicação confiável e rápida quando um animal não consegue ver
o outro -e isso vale tanto para
vertebrados terrestres como
para peixes em águas escuras.
Propósito adquirido
Como teria surgido evolutivamente a vocalização subaquática? Que vantagem evolutiva teria um peixe em "falar"?
Bass evoca uma resposta do
próprio "pai" da teoria da evolução, o naturalista britânico
Charles Darwin, que comentava os sons de peixes machos.
"Quando os membros primevos dessa classe [Vertebrata]
estavam fortemente excitados
e seus músculos violentamente
contraídos, sons sem propósito
com quase toda certeza seriam
produzidos", escreveu Darwin
em "A Origem do Homem e a
Seleção Sexual". "Se estes provassem ser de algum modo
úteis, poderiam prontamente
ser modificados ou intensificados pela preservação das variações propriamente adaptadas."
Margoliash, explica: "imagine um cenário no qual não há
outros peixes vocalizando, apesar de peixes terem uma perfeita audição. Se sua espécie pode
se beneficiar desse meio de comunicação, pense em que vantagens seletivas isso dá".
Atrair o parceiro é uma delas,
assim como "grunhir" para defender seu território. Na dúvida, quem ouviu mas não tem
como responder prefere nadar
em outra direção.
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