|
Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA / ANDREA CAMPERIO CIANI
O homossexualismo não vai contra a natureza
Geneticista diz que os genes que tornam homens mais propensos a se tornarem gays são transmitidos por suas mães
SE O HOMOSSEXUALISMO não estimula a reprodução, como ele pode sobreviver à seleção natural?
A resposta para essa charada, um quebra-cabeça
secular da biologia, está ganhando agora uma resposta coerente, que sobreviveu ao primeiro teste de lógica.
Defendida pelo biólogo Andrea Ciani, a nova teoria indica que
o homossexualismo masculino tem um componente genético herdado por parte de mãe, e os genes por trás dele são os
mesmos que, em mulheres, estimulam a fertilidade.
Arquivo Pessoal
|
|
O geneticista comportamental Andrea Ciani navega em rio numa floresta de Bornéu, onde estudou grupos de macaco
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Ciani, geneticista da Universidade de Pádua (Itália), apresentou as bases da teoria na terça-feira -cifrada em um estudo cheio de fórmulas matemáticas- na revista "PLoS One".
Com longa experiência em
estudos com macacos, o cientista tem se dedicado nos últimos anos a um outro tipo de
primata: o Homo sapiens. O que
ele aprendeu com seu trabalho? "O homossexualismo não
é contra a natureza."
Em entrevista à Folha, Ciani
abre mão da estatística e traduz o significado de sua teoria.
FOLHA - O que diz seu estudo?
ANDREA CAMPERIO CIANI - Eu publiquei uma pesquisa em 2004
em que mostrei que homossexualismo em homens está conectado com um aumento na
fertilidade das mães e avós da
linhagem materna desse indivíduos. O que fiz agora nesse estudo para a "PLoS" foi desenvolver isso. Nós já sabíamos o
que estava ocorrendo, mas não
entendíamos a dinâmica, não
tínhamos o modelo correto.
FOLHA - Como vocês criaram o modelo correto?
CIANI - Nós procuramos modelos genéticos que já existiam
[para explicar outras características] e seguimos quatro pré-requisitos empíricos. O primeiro é que o homossexualismo está presente em todas as populações humanas. O segundo, que
não há nenhuma população em
que a maioria das pessoas sejam homossexuais. O terceiro é
aquele que tiramos de dados
empíricos: que o homossexualismo tende a seguir em famílias pela linha materna. Isso
significa que se você é homossexual, há uma probabilidade
maior de o seu tio materno sê-lo. O quarto, que achamos em
2004, é que mães e tias da linha
materna de homossexuais costumam ter proles maiores.
Na literatura científica há
muitos modelos para difusão
genética de características. Há
modelos que testam a difusão
com um único "locus" [gene],
outros com mais genes. Quando começamos a testar os modelos com dois genes, todos falharam, exceto um, que é esse
modelo da "seleção sexualmente antagonística", baseado em
dois genes em dois diferentes
cromossomos. Um tem que ser
no cromossomo X -que os homens recebem apenas de suas
mães-, e o outro pode ser nos
cromossomos não sexuais. Só
esse modelo explicou todos os
pré-requisitos que encontramos empiricamente.
Foi uma coisa inesperada. É a
primeira vez que um modelo de
seleção sexualmente antagonística funciona para uma característica humana. O modelo
mostra características peculiares, que dão uma vantagem reprodutiva para um sexo, e dão
desvantagem para outro.
O normal é imaginar que um
determinado gene dá vantagem
para todas as pessoas que o carregam. Mas genes como esses
ligados à homossexualidade
humana dão vantagem quando
estão em mulheres, porque as
fazem produzir mais prole, mas
ao mesmo tempo criam desvantagem reprodutiva em homens, com a possibilidade de se
tornarem homossexuais.
FOLHA - Isso não pode ser causado
por um fator social ou psicológico?
CIANI - Nós estudamos apenas
os componentes genéticos, mas
não estou dizendo que o homossexualismo é determinado
pelos genes. Ele é apenas influenciado. Há outros componentes, biológicos, psicossociais, experiência de vida...
FOLHA - Mas como ocorre essa influência? Como é a fisiologia?
CIANI - Eu fiz uma pesquisa sobre isso. É muito difícil, porque
tive que estudar mães e tias. Na
Itália não é difícil entrevistar
homossexuais. Você os encontra em bares gays ou discotecas,
e eles costumam estar dispostos a falar. Mas quando você pede para contatar suas mães e
parentes, a coisa fica delicada.
Talvez esses genes dêem a
elas uma fertilidade maior, porque favorecem uma taxa menor
de abortos naturais. Ou, de outra forma, poderia lhes dar uma
personalidade mais extrovertida, que facilitasse entrar em relações. Nós achamos uma evidencia tênue de que essas mães
e tias têm menos problemas
com reprodução e parto, em geral. Já em personalidade, não
achamos nada. Mas ficamos
surpresos com outra coisa:
mães e tias desses homossexuais, durante suas histórias de
vida, se sentiram mais atraídas
por homens do que as mães e
tias de heterossexuais. Então,
estamos procurando fatores
genéticos que, de alguma maneira, influenciem a androfilia,
a atração por homens. Isso significa que, se você for mulher,
você se sente mais atraída por
homens e, se você for homem,
se tornará ligeiramente mais
atraído por homens e pode acabar se tornando homossexual.
FOLHA - Mas como isso ocorre na
célula? Vocês apontam para algum
gene específico, algum hormônio?
CIANI - Eu estudo genética do
comportamento. Então, quando eu sei algo, sei que existem
genes de como esse traço se
comporta. Uma vez que você
descobre como o caractere controla o traço, não importa saber
exatamente onde ele está. Algumas pessoas que tentam descobrir isso têm razões com as
quais eu não concordo. Caçadores de genes às vezes querem
vender uma patente envolvendo a localização do gene para
fazer negócio. Poderiam, aí, sugerir algo que possa evitar que
seu filho se torne gay ou sua filha lésbica. Não concordo com
isso. Estou interessado na natureza humana, não em "vender" um filho "melhorado" para quem quer que seja.
FOLHA - Mas seu trabalho pode
ajudar os caçadores de genes.
CIANI - Sim, mas agora eles teriam uma restrição maior. Isso
não é uma doença, é um traço
que confere vantagem reprodutiva a um dos sexos e desvantagem a outro. Se alguém interferir aí, pode mudar a orientação de um filho, mas também
pode influenciar de maneira
ruim a sua filha. Se há um gene
ali e não é o gene de uma doença, significa que existe uma razão para ele estar lá.
FOLHA - Gays se sentirão melhor
ao saber que a natureza, não só a
criação, influencia suas opções?
CIANI - A comunidade gay sempre fica muito infeliz quando
pessoas falam sobre esse assunto e os jornalistas começam a
usar manchetes como "Descoberto o gene gay". Isso é besteira. Nós, geneticistas comportamentais, sabemos há muito
tempo que o debate de natureza contra criação é fútil.
Todos os genes têm de se expressar em um ambiente. O
ambiente influencia a expressão do gene, assim como o gene
influencia o ambiente onde ele
se expressa. Vou dar um exemplo. Todos nós temos genes que
favorecem o roubo, porque se
não tivermos o comportamento do roubo, não sobreviveremos em uma emergência onde
ele pode ser necessário. Isso
não significa que sejamos forçados a sermos ladrões.
Há genes influenciando algumas pessoas, tornando mais fácil para elas optar pela homossexualidade. Ser ou não ser homossexual, porém, é resultado
de história de vida, além de genes. O que queremos saber é
por que os genes que influenciam a homossexualidade existem. Um gene que reduz a taxa
de reprodução das pessoas deveria desaparecer. Esse é o dilema darwiniano da homossexualidade. A posição da Igreja
tem sido por muito tempo a de
dizer que o homossexualismo
seria um vício, um pecado contra a natureza. Com o nosso estudo, podemos dizer claramente que o homossexualismo não
vai contra a natureza. Ele faz
parte da natureza, e é demonstrado precisamente pela seleção sexual darwiniana.
FOLHA - O sr. também está estudando as lésbicas?
CIANI - Sim. Eu comecei a coletar muitos dados sobre lésbicas
dois anos atrás, mas nosso modelo não funciona com lesbianismo. Esse é um fenômeno diferente, com uma dinâmica diferente e uma origem diferente.
FOLHA - O sr. tem dificuldade para
publicar seus estudos?
CIANI - Muitos estudos são rejeitados em algumas revistas
científicas. Uma hora antes de
você me telefonar, um jornalista da revista "Science" me telefonou, porque estava fazendo
uma matéria para o "público
geral". Foi estranho, porque eu
tinha submetido meu estudo
para a "Science", antes da
"PLoS", e eles rejeitaram dizendo que não era "de interesse
geral". Não mandaram nem para os revisores.
Próximo Texto: Frases Índice
|