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Micro/Macro
Fogo e gelo
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
O grande poeta norte-americano Robert Frost escreveu, no início do século 20, um poema se perguntando sobre o provável fim do mundo: "Alguns
dizem que o mundo terminará em fogo /
Outros dizem em gelo". Aparentemente,
o fim será uma combinação de ambos.
Hoje, os cientistas são os profetas do
apocalipse. Novos resultados, ainda um
tanto controversos, argumentam que
mesmo em planetas propícios à vida, como a Terra, ela só é possível por não mais
do que 5 bilhões de anos. Formas de vida
complexa, por não mais do que 1,5 bilhão de anos. Ou seja, em algumas centenas de milhões de anos, não poderemos
sobreviver aqui. Nossos dias, ao menos
aqui na Terra, estão contados.
Toda estrela tem um ciclo de vida cuja
duração depende de sua massa: quanto
mais maciça a estrela, menor a sua vida.
O Sol, sendo uma estrela modesta, viverá
bastante, em torno de 10 bilhões de anos.
Hoje, tem aproximadamente 5 bilhões,
ou seja, está em sua meia-idade.
A produção de energia de uma estrela
não ocorre a uma taxa constante, mas
varia com o tempo. Pequenas variações
na produção de energia (luminosidade)
do Sol têm grande impacto na Terra. Em
1 bilhão de anos, a luminosidade será tamanha (10% acima da atual) que os
oceanos entrarão em ebulição. Das duas,
uma: ou eles serão vaporizados para o espaço (caso o aumento de temperatura
seja brusco), ou para a atmosfera, criando um efeito estufa acelerado.
No primeiro caso, a temperatura estaciona em torno de 100C, e a escassez de
água será total. No segundo, a temperatura na superfície crescerá tanto que apenas seres unicelulares poderão sobreviver. Em 3 bilhões de anos, nem elas. O futuro da vida na Terra é a imagem inversa
de seu passado: segundo alguns pesquisadores, já passamos do auge e estamos
em regressão. Cada vez mais formas de
vida desaparecerão, até que sobrem apenas as mais simples, as bactérias, que foram também as primeiras.
Antes do fogo virá o gelo. Idades do
Gelo, como as que ocorreram no passado, vão ocorrer novamente (do jeito que
anda o inverno nos EUA, a impressão é
que já estamos em uma). Possivelmente,
poderemos sobreviver ao frio, usando
várias fontes de energia, incluindo a nuclear e as células de combustível, que
convertem hidrogênio e oxigênio em
água, liberando energia. Quem sabe será
até possível esquiar na serra do Mar?
Essas previsões, embora assustadoras,
não têm o intuito de deprimir as pessoas.
A lição aqui é entender o quanto é precioso o nosso planeta aquoso e quão curto o intervalo em que podemos viver nele. Estamos praticamente no meio do período em que a existência de formas
complexas de vida é possível.
Duas coisas me parecem claras. A primeira, que devemos fazer todo o possível
para preservar nosso frágil planeta, de
modo a não acelerar ainda mais a sua
ruína. Aqueles que acham que tudo isso
é besteira, que existem outras questões
mais urgentes como a fome, o analfabetismo e guerras inúteis, estão confundindo as bolas. Essas questões são, sem dúvida, cruciais e merecem toda a nossa
atenção. Mas uma coisa não exclui a outra. Devemos também pensar no futuro
mais distante, na preservação da nossa
espécie. Falo aqui da destruição completa da raça humana e da vida na Terra.
O que me leva ao segundo ponto. Em
outras colunas, escrevi sobre a possibilidade de colonizarmos a galáxia da mesma forma que colonizamos a Terra. Como a vida aqui se tornará impossível, essa será a única alternativa. Daí a enorme
importância do programa espacial.
A China diz que quer ir à Lua. Ótimo,
pois ela não é patrimônio norte-americano. Mas temos de ir além, muito além.
Temos de achar uma estrela relativamente jovem com outro planeta aquoso
girando à sua volta, outra jóia de safira
flutuando em algum ponto da galáxia.
Mesmo que, a essa altura, todos nós sejamos poeira cósmica, nossos descendentes sobreviverão e poderão contar histórias de um passado distante, quando a
humanidade ainda estava engatinhando
às escuras pela sua vizinhança cósmica,
tentando encontrar o seu destino.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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