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Filho de Cousteau retrata "fauna política" amazônica
Roteiro de viagem do oceanógrafo francês em 1982 é refeito para documentário
Além de filmar a floresta, explorador ilustra estrutura de poder na região; fim das Farc pode estender desmate à Amazônia colombiana, diz
Fotos Carrie Vonderhaar/Ocean Futures Society/KQED
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Jean-Michel Cousteau caminha em mata perto de Manaus
AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL
Apesar de não ser biólogo, o
arquiteto e ambientalista Jean-Michel Cousteau, 70, é quem dá
continuidade ao projeto de seu
pai, o famoso oceanógrafo Jacques Cousteau (1910-1997). No
ano passado, ele concluiu a expedição que refez o roteiro trilhado há 27 anos pelo explorador francês na Amazônia, registrada agora em documentário.
Mas Jean-Michel, que esteve
na primeira viagem também,
tem um olhar diferente do de
Jacques, que registrava bem as
belezas e curiosidades da natureza, mas sem dar muito destaque ao "bicho homem".
O novo filme mostra, além
dos animais não-humanos, diversos espécimes como a ex-ministra Marina Silva (PT) e o
governador do Amazonas,
Eduardo Braga (PMDB), com
elogios. Sobram críticas para
agricultores, pecuaristas e o governo de Mato Grosso. O documentário foi bancado pela Dow
Química e pelo governo americano (com verbas públicas destinadas a programas com veiculação na TV aberta). Os EUA
já tiveram oportunidade de assistir ao filme, mas, até agora,
nenhuma emissora do Brasil se
interessou. Em entrevista à Folha, Cousteau fala da viagem:
FOLHA - Quanto tempo o senhor
passou na Amazônia desta vez?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - Dez meses. Cinco meses no período da
seca e cinco meses no período
chuvoso, no ano passado e no
ano retrasado. Oficialmente,
produzimos um programa de
duas horas para a televisão,
mas na realidade voltamos com
muito mais material. Então, estou um pouco frustrado porque
há muitos assuntos que não entraram. Eu esperava que, caso a
televisão na América do Sul se
interessasse, pudéssemos fazer
um programa de três horas,
mas isso não ocorreu.
FOLHA - O que foi diferente da expedição anterior?
COUSTEAU - Na expedição realizada há 27 anos, passamos 20
meses na Amazônia, com 50
pessoas, com pouca comunicação, pois a tecnologia não estava avançada naquela época. Era
difícil se conectar com outras
partes da região e, por isso, foi
uma aventura maior. Dessa vez,
com a tecnologia, ficamos conectados. Tínhamos telefone
por satélite que funcionava
bem. Estávamos numa equipe
de cerca de 20 pessoas. Em dez
meses fizemos quase 10 mil
quilômetros de viagem. Conseguimos ir a muitos lugares, talvez até mais do que nos 20 meses da expedição passada.
FOLHA - Em quais países?
COUSTEAU - Nós fomos para Peru, Brasil e Colômbia. Não passamos por Venezuela, Bolívia e
Equador, por exemplo.
FOLHA - Os satélites mostram que
a taxa de desmatamento está aumentando na Amazônia...
COUSTEAU - Eu não sei por que,
exatamente. Grandes corporações, como a Cargill, estão priorizando compras a produtos
que não desmatam a floresta e
que são produzidos em áreas
degradadas anteriormente.
Não quero pintar um quadro
totalmente negativo porque há
muitos esforços sendo feitos.
Mas, em geral, 90% a 95% das
árvores são cortadas ilegalmente. Algumas são cortadas
pela madeira, outras, para abrir
espaço para gado, soja...
Quando estávamos lá os satélites mostravam que havia 72
mil queimadas ao mesmo tempo. É chocante, mas estamos falando de uma região que é
maior que os EUA. Como são
nove países, alguns estão fazendo mais do que os outros. Em
geral, o Brasil está tentando fazer um bom trabalho, mais que
a maioria dos outros países.
FOLHA - Hoje já se sabe que a Amazônia não é o "pulmão do mundo".
Como o sr. faz para para convencer o
público de sua importância?
COUSTEAU - Sim, isso está errado. Mas, e as emissões de CO2?
É disso que se trata. A floresta
tropical tem a ver com a umidade e é importante para manter o sistema e para controlar o
clima. Se for cortada, trará
enormes conseqüências climáticas. Proteger a Amazônia não
é questão só dos nove países,
mas do mundo. Então, temos
de pagar por isso, há um preço.
Isso tem a ver com saúde, com
água, com não precisar colocar
ar-condicionado em casa porque ficou muito quente.
FOLHA - Os governos de outros países devem pagar?
COUSTEAU - Nós devemos, não
me importa se são os governos
ou as pessoas em geral. Nós, de
fora, precisamos ou calar a boca
ou oferecer assistência se é desejado. O certo é pagar, porque
estamos tendo algo em troca.
Se alguém dá R$ 10, um bilhão
de pessoas são R$ 10 bilhões
por ano. É muito dinheiro.
FOLHA - O que chama mais à atenção em relação à viagem de 1982?
COUSTEAU - Há muito mais gente na Amazônia. O governo militar encorajava pessoas a se
mudarem para lá pois chamava
a região de um "deserto verde",
que precisava ser ocupado.
FOLHA - O que o senhor pensa de
Mato Grosso, Estado bastante criticado pelo desmatamento?
COUSTEAU - Como se pode ter
um governador que tem a
maior produção de soja do planeta e não ter conflito com o
ambiente? Mas as pessoas gostam dele [Blairo Maggi], elegeram-no. Porque agora têm emprego. Mas por quanto tempo?
Ele realmente se preocupa com
seus netos que vão ficar sem
emprego porque não vai sobrar
nada lá? Enquanto isso, não sei
se ele está fazendo muito dinheiro. Ele dorme bem à noite?
Não sei. Eu gostaria de conversar com ele, marquei uma reunião, mas ele conseguiu evitar...
FOLHA - Há muitas questões internacionais sobre a Amazônia...
COUSTEAU - Sim, por exemplo, o
que acontecerá na Colômbia
agora que as Farc perderam
força? Apesar de eu não concordar [com as Farc], a conseqüência é que a presença delas
protegeu a floresta na Colômbia, um paradoxo. Quando elas
se forem, o que vai acontecer?
FOLHA - O sr. se deparou com guerrilheiros em sua passagem lá?
COUSTEAU - Não desta vez. Estávamos bem perto, sabíamos
onde eles estavam.
FOLHA - Mas pediram permissão
às Farc para entrar na região?
COUSTEAU - Ah, sim. As pessoas
que nos deram permissão não
queriam que nos machucássemos e diziam até onde podíamos ir. Foi tudo bem.
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