|
Próximo Texto | Índice
Astrônomos datam eclipse da "Odisséia" de Homero
Dupla recria o céu que poderia ser visto pelos personagens do clássico grego
Dia em que o rei Odisseu, de Ítaca, teria massacrado os pretendentes de Penélope foi 16 de abril de 1178 a.C., dez anos após Tróia cair
DA REPORTAGEM LOCAL
Historiadores, escritores e
arqueólogos debatem há muito
tempo sobre até que ponto a literatura da Grécia antiga é uma
fonte histórica confiável. Se os
relatos sobre o que ocorria na
Terra naquela época ainda deixam margem de dúvida, porém,
astrônomos acabam de mostrar que o grego Homero descrevia com grande rigor cronológico o que ocorria no céu. Um
massacre descrito em sua
"Odisséia" provavelmente
aconteceu logo após um eclipse
em 16 de abril de 1178 a.C.
A data -que se refere a um
evento supostamente ocorrido
dez anos depois da guerra de
Tróia- surgiu dos cálculos de
uma dupla de cientistas da Universidade Rockefeller, de Nova
York. Constantino Baikouzis e
Marcelo Magnasco vasculharam os textos de Homero atrás
de uma série de referências astronômicas para tentar recompor os céus da época e resolver
uma série de questões de interpretação sobre o texto.
Uma das dúvidas era se a própria menção do personagem
Teoclímeno a uma "escuridão
funesta" era mesmo a um eclipse. Ele faz uma espécie de presságio sobre o massacre que seria cometido pelo rei Odisseu
ao voltar da guerra de Tróia.
Após viagem tumultuada que
durou dez anos, o monarca chegou a Ítaca para encontrar um
séquito de pretendentes cobiçando sua mulher, Penélope, e
decidiu matar todos.
Apesar de a linguagem metafórica da "Odisséia" deixar
margem para dúvidas, a tese do
eclipse é reforçada pelo fato de
Homero mencionar que a noite
seguinte ao massacre fora de
Lua Nova, uma pré-condição
necessária a um eclipse solar.
Como eclipses totais são fenômenos relativamente raros
-ocorrem em média a cada 370
anos para cada ponto da Terra- não foi difícil escolher um
como candidato: o de 1178 a.C.,
no oeste da Grécia, o mais próximo da data estimada da guerra de Tróia. Determinar o dia,
porém, foi bem complicado.
"Há incertezas envolvidas
em rastrear eclipses na antigüidade porque os relatos comprovados de eclipses mais antigos são do século 8 a.C.", explicam Baikouzis e Magnasco. "A
extrapolação para tempos anteriores envolve erros que aumentam exponencialmente, ao
quadrado, com o tempo."
Para tentar solucionar o
enigma, a dupla de astrônomos
resolveu estudar, então, os ciclos com que ocorrem outros
eventos celestes mencionados
na "Odisséia", além do eclipse
que marcou o massacre. Três
deles pareciam particularmente aplicáveis à verificação.
Hermes e as estrelas
Quatro dias antes do massacre, segundo Homero, a "estrela d"alva" (Vênus) estava visível
ao entardecer no alto do céu.
Vinte e oito dias antes, as constelações do Boieiro e as Plêiades eram visíveis ao alvorecer.
Trinta e três dias antes, Mercúrio estava se pondo no oeste.
"Naquele período, uma única
data coincide com nossas referências: 16 de abril de 1178 a.C.",
escreveram Baikouzis e Magnasco em seu estudo, publicado
hoje na revista "PNAS"
(www.pnas.org). "A probabilidade de que referências puramente ficcionais a esses fenômenos coincidam por acaso
com o único eclipse daquele século são minúsculas."
Para incluir no estudo a referência a Mercúrio, porém, os
astrônomos tiveram de fazer
uma certa extrapolação poética. O que a "Odisséia" diz, na
verdade, é que o deus Hermes
(Mercúrio, na cultura romana),
fez longa trajetória até o oeste
para entregar uma mensagem.
"Devemos interpretar essa
viagem como uma alusão ao
movimento do planeta Mercúrio", afirmam os cientistas, que
reconhecem o risco de atuar,
até certo limite, como críticos
de literatura. "Se a identificação das passagens poéticas com
os fenômenos estiverem incorretas, então todos os nossos
cálculos serão um non sequitur
[inconsistência lógica]."
Independentemente da verdade cronológica dos fatos, porém, a reconstituição do eclipse feita pelos cientistas sugere
mesmo uma paisagem um tanto quanto apocalíptica.
"O eclipse foi espetacular
(...), os cinco planetas visíveis a
olho nu, a Lua e a coroa do Sol
podiam ser vistos simultaneamente", escrevem. Durante o
evento, "a temperatura tem
uma queda brusca de alguns
graus, os ventos se alteram, os
animais ficam inquietos e as faces humanas podem ficar com
uma aparência empalidecida
sob a luz azulada."
Um momento macabro como esse bem pode ter sido inspiração para um massacre -ou
para um verso.
(RAFAEL GARCIA)
Próximo Texto: Clima: Cientista quer moratória a carvão mineral Índice
|