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As revoluções da geometria
Livro explica como uma área da matemática revolucionou a forma de entender ciência através dos séculos, de Euclides à física pós-Einstein
Alessandro Greco
free-lance para a Folha
Minha física nada mais é do que geometria."
As palavras do filósofo e matemático francês René Descartes descrevem mais do que
a importância da geometria em sua obra
-Descartes foi o inventor das coordenadas cartesianas. Elas remetem a uma parte da ciência, muitas vezes
esquecida pelo imaginário popular, que revolucionou o
pensamento científico desde o seu surgimento com o filósofo grego Euclides até a física contemporânea, com a
teoria das supercordas -uma idéia que diz que o mundo é feito de dez dimensões e que só percebemos as três
espaciais e a temporal, pois as outras são muito, muito
pequenas.
Escrever um livro sobre essas revoluções é um desafio. Fazê-lo interessante para um público amplo que,
em geral, conhece somente as coordenadas cartesianas
é, digamos, uma tarefa ingrata. O físico Leonard Mlodinow, ex-pesquisador do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), faz um trabalho muito interessante
ao costurar as cinco revoluções geométricas que abalaram a ciência no recém-lançado "A Janela de Euclides".
A forma escolhida por ele para contar essa história,
entremear vida e obra dos geômetras, funciona bem ao
diluir a densidade das descobertas feita por Euclides,
Descartes, Carl Gauss, Albert Einstein e Edward Witten.
E, ao falar também dos outros personagens que ajudaram os cinco grandes a fazer suas revoluções, o livro coloca em contexto suas descobertas, mostrando que
ciência, diferentemente do que muitas vezes se imagina,
é produto não de uma, mas de várias mentes brilhantes.
O truque faz o leitor caminhar pelo livro sem maiores
dificuldades e se divertir com as histórias bem conhecidas, como a primeira medição da circunferência da Terra, feita por Eratóstenes durante a época de ouro de Alexandria sob o comando de Alexandre, o Grande. O resultado encontrado por Eratóstenes, 40 mil quilômetros, tem um erro aproximado de somente 4% em relação ao valor medido hoje por satélite e certamente lhe
daria um Prêmio Nobel, se ele existisse na época. Mas
há também fatos obscuros no livro, como a invenção do
gráfico pelo bispo Nicole D'Oresme.
O livro peca, no entanto, nas passagens relacionadas
ao trabalho dos matemáticos. No início, até que causa
pouca espécie a escassez de imagens, muito devido à
"simplicidade" natural das descobertas descritas por
Euclides em seu clássico "Os Elementos", mas, conforme se avança através dos séculos, a situação se complica. Explicar o conceito de espaço curvo sem várias imagens é difícil mesmo para uma pessoa como Modlinow,
acostumado a falar para um público amplo, inclusive
para crianças, e que atualmente está ajudando o físico
Stephen Hawking a escrever a continuação do best-seller "Uma Breve História do Tempo" - com sua habilidade em explicar conceitos, o novo Hawking será, ao
menos, muito mais legível do que o original.
Modlinow, que já escreveu um episódio para o seriado "Jornada nas Estrelas: A Nova Geração", tem também uma habilidade rara entre cientistas, especialmente físicos-matemáticos, habituados a lidar com o mundo abstrato: sabe ser um contador de histórias. Fala da
geometria como se fosse uma novela, no que é ajudado
por histórias como a do livro "Os Elementos". Primeiro,
ele não é um livro, mas uma série de 13 rolos de pergaminhos. Segundo, Euclides nunca o escreveu e nenhum
original sobreviveu até os dias de hoje. Terceiro, o que
sabemos sobre o livro teve como fonte principal um
texto escrito por um erudito chamado Hipócrates (não
o pai da medicina, mas um outro de mesmo nome).
Mas o que falta de informação sobre o livro sobra de
profundidade na sua idéia central: criar uma lógica inovadora, livre de suposições, na qual tudo deveria ser
provado. Hoje o texto parece óbvio, mas, ao definir, por
exemplo, o que são um ponto e uma linha, Euclides organizou a geometria e abriu uma janela de conhecimento em que alguns dos maiores físicos e matemáticos da
história -Einstein inclusive- se inspiraram e usaram
para desenvolver suas idéias. Mas faltou a ele uma percepção do espaço a seu redor. A noção de como se localizar nele, como saber onde estamos. Coube a Descartes
fazer a segunda revolução da geometria, criando as
coordenadas cartesianas. O que Euclides não esperava é
que a próxima revolução fosse um ataque à suas idéias
por um jovem alemão que se tornaria um dos maiores
matemáticos de todos os tempos, Carl Friederich
Gauss. Basicamente, ele provou que há espaços não-euclidianos, ou curvos. "A suposição de que a soma dos
três ângulos de um triângulo é menor do que 180 leva a
uma geometria especial, bem diferente da nossa (isto é,
euclidiana), que é absolutamente consistente, e que eu
desenvolvi de modo bem satisfatório para mim mesmo", escreveu Gauss a um amigo -e nunca permitiu
que a informação fosse publicada enquanto ele, Gauss,
estivesse vivo. A geometria nunca mais foi a mesma e
culminou na formulação da teoria da relatividade por
Albert Einstein, a quarta revolução.
Hoje o mundo passa pela quinta revolução, com a formulação da teoria das cordas, hoje chamada supercordas, liderada pelo americano Witten. Somente não podemos dizer se ela está certa, ou se será somente mais
uma nota de rodapé na história da ciência. Mas é certo
que a geometria continuará a fazer suas revoluções.
Qual será a próxima? Ninguém sabe.
A Janela de Euclides
de Leonard Mlodinow
296 págs. R$ 39,50
Geração Editorial (r. Prof. João Arruda, 285, CEP 05012-000, SP, tel.
0/xx/11/3872-0984)
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