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Micro/Macro
Em busca de vida extraterrestre
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Os robôs da Nasa, Spirit e Opportunity, descobriram evidência que, no
passado, existia água líquida em Marte.
Talvez até salgada, como nos oceanos
terrestres. Essa foi uma das poucas notícias boas que vieram dos EUA recentemente. A descoberta é espetacular e confirma o que já se suspeitava há muito:
que água líquida não existe só na Terra.
Água é o primeiro passo para que se
encontre vida. Ao menos vida como a
entendemos no momento. Esse, aliás, é
um dos problemas que caçadores de vida
extraterrestre enfrentam: o que se conhece de vida é limitado a apenas um
exemplo, o nosso. É perfeitamente possível que existam formas de vida tão exóticas que nem sejam reconhecidas como
tal pela ciência atual: metabolismos
completamente diferentes, comportamentos bizarros. Portanto, quando se fala na busca por vida extraterrestre, fala-se de uma busca limitada àqueles seres
que podemos identificar como vivos.
Inúmeros fatores complicam as previsões de como seriam as formas de vida
extraterrestre. Por exemplo, a composição química do planeta (ou lua) e de sua
atmosfera, se ele tiver uma.
Respiramos oxigênio e exalamos dióxido de carbono. Marte, hoje, tem uma
atmosfera rica em dióxido de carbono
(95,3%). Se essa era a composição de sua
atmosfera no passado, formas de vida
marcianas não podiam depender de oxigênio. Elas também deveriam ser imunes
à radiação ultravioleta proveniente do
Sol. Aqui na Terra, somos protegidos pela camada de ozônio, que funciona como
uma espécie de escudo contra os raios ultravioleta solares. Essa camada de ozônio foi sendo formada aos poucos, produto do desenvolvimento de formas de
vida. Ou seja, a própria presença da vida
modifica a atmosfera do planeta.
Pelo que vemos aqui na Terra, a vida é
extremamente criativa. Organismos foram encontrados nas profundezas escuras dos oceanos, perto de fendas subterrâneas que expelem água fervendo e enxofre. Alguns micróbios sobrevivem em
meios ricos em ácido sulfúrico, em gelo,
ou em ambientes repletos de radiação.
Isso leva muitos cientistas a acreditarem na existência de alguma forma de vida fora da Terra. E, se água existir no local, essas formas de vida provavelmente
serão baseadas em carbono, como é o caso aqui. A água age como um meio perfeito para facilitar reações químicas entre
compostos de carbono, os componentes
básicos dos organismos vivos.
Caso exista vida fora da Terra, ela será
provavelmente dominada por organismos unicelulares. Na hierarquia dos seres vivos, o mais simples é o mais abundante. Os micróbios existiram sozinhos
durante 85% da história da vida na Terra. A explosão de complexidade nas formas de vida terrestre ocorreu há menos
de 1 bilhão de anos. Sei que micróbios extraterrestres não têm tanta graça, mas
provavelmente são eles que têm a maior
probabilidade de existir em outros cantos do cosmo.
Existem duas questões fundamentais,
que mal podemos tocar aqui, devido ao
espaço. A primeira questão é sobre a origem da vida em si, isto é, como moléculas orgânicas, ricas em carbono, se tornaram suficientemente complexas a ponto
de se auto-replicar e alimentar. Ou seja,
como o inanimado tornou-se animado.
A segunda questão é como essas formas de vida primitiva se tornaram cada
vez mais complexas a ponto de hoje, aqui
na Terra ao menos, existirem urubus, lagostas e pessoas.
A primeira pergunta é um dos grandes
mistérios da ciência moderna. Vamos
deixá-la de lado, ao menos hoje. A segunda questão nós entendemos melhor.
Por trás da complexificação da vida
opera a seleção natural; organismos sofrem mutações em seus genes e, raramente, essas mutações são benéficas,
ajudando na adaptação da espécie. A história da vida na Terra é uma história dramática, pontuada por grandes cataclismos e extinções. A variação das espécies
depende da história da Terra, de colisões
com enormes asteróides e cometas, de
erupções vulcânicas que modificaram a
atmosfera etc.
Caso a história da Terra fosse outra, a
história da vida aqui também seria outra.
O que será encontrado em outras partes
do cosmo dependerá da história local.
Mas uma coisa é certa: de micróbios a
ETs inteligentes, o pulo é enorme. E pouco provável.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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