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Contra o tempo
Para biólogos experimentais, o que nos faz envelhecer não é "desgaste de material", e sim programação genética
JEREMY LAURENCE
DO "INDEPENDENT"
Envelhecer, no fim das
contas, pode não ser
obrigatório. Problemas de visão, dentes
enfraquecidos e cabelos grisalhos podem estar sendo causados por genes regulatórios que determinam quando
é a hora de colocarmos de lado
nossos abrigos mortais. Esses
sinais não seriam, portanto,
meros efeitos do peso da idade.
Um grupo de cientistas americanos está desafiando a visão
convencional de que o envelhecimento é causado por desgaste de material - como o enferrujamento de um carro velho.
Em vez disso, eles sugerem que
instruções genéticas específicas conduzem o processo. Se
eles estiverem corretos, a ciência pode um dia encontrar maneiras de desligar esses sinais e
interromper -ou reverter- o
envelhecimento.
Os pesquisadores, do Centro
Médico da Universidade de
Stanford, na Califórnia, levantaram questionamentos sobre
a teoria convencional do envelhecimento com base em observações no mundo animal.
Suart Kim, professor de biologia do desenvolvimento, diz:
"Todos assumem que envelhecemos por ferrugem. Mas como se explica por que os animais não envelhecem?"
Bom, talvez eles envelheçam,
mas não da mesma maneira
que os humanos. Algumas tartarugas botam ovos aos cem
anos de idade. Há baleias que
vivem até 200 anos e ostras que
passam dos 400.
Essas espécies usam os mesmos blocos fundamentais do
DNA, das proteínas e das gorduras de humanos, camundongos ou vermes. A química do
processo de desgaste, portanto,
deveria ser a mesma nas células de todos esses animais.
Mesmo os danos causados
pelas moléculas oxidantes conhecidas como radicais livres
deveriam ser os mesmos, o que
torna difícil explicar porque a
espécie humana tem uma extensão de vida drasticamente
diferente. "Um radical livre
não quer saber se está em uma
célula humana ou na célula de
um verme", diz Kim.
Velhice à deriva
Para responder ao enigma,
ele e seus colegas estudaram
grupos de vermes nematódeos,
uma das criaturas vivas mais
primitivas, e acharam diferenças entre animais jovens e idosos que não se encaixavam na
idéia convencional de envelhecimento. Esses vermes têm um
milímetro de comprimento,
envelhecem rápido e têm vida
máxima de apenas duas semanas. Comparando os mais novos aos mais velhos, os cientistas encontraram níveis maiores de "fatores de transcrição"
-chaves moleculares que ativam e desativam genes- à medida que eles envelheciam.
Para analisar se essas moléculas tinham algum papel no
processo de desgaste do envelhecimento, os pesquisadores
expuseram os vermes a estresses que deveriam afetar sua
idade aparente -por exemplo,
calor, radiação, doenças e oxidação por radicais livres. Nenhum desses fatores afetou os
genes, sugerindo que o envelhecimento não é causado por
dano químico. Pelo contrário,
os resultados mostraram que
mecanismos-chave genéticos
projetados para a juventude
acabavam ficando fora de controle nos animais mais velhos.
A evolução por seleção natural não pode eliminar problemas que ocorrem nos períodos
finais do tempo de uma vida,
portanto as vias genéticas para
o envelhecimento parecem ter
se entrincheirado por acidente,
afirmam os pesquisadores. Eles
batizaram esse processo de
"deriva do desenvolvimento"
em suas descobertas, publicadas na edição atual da revista
científica "Cell".
Manipulação de circuito
"Nós encontramos um programa de desenvolvimento
normal que funciona em animais jovens, mas se torna desequilibrado à medida que o verme envelhece", diz Kim. "Ele
responde pela maior parte das
diferenças moleculares entre
vermes jovens e velhos."
Se os sinais da velhice não
são o preço inevitável da química, mas sim algo conduzido por
mudanças em genes regulatórios, o processo de envelhecimento pode não ser algo inevitável, defende o cientista.
Marc Tatar, pesquisador da
Universidade Brown, de Rhode
Island (EUA), que não participou do estudo de Kim, concorda. "A mensagem dessa pesquisa é que o envelhecimento pode
ser desacelerado e administrado por meio da manipulação de
circuitos de sinalização nas células", diz. "Esse é um circuito
novo e potencialmente poderoso, que acaba de ser descoberto
fazendo isso."
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