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Micro/Macro
O tamanho do Universo
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Pai, qual é o tamanho do Universo?",
pergunta o garoto de nove anos ao
seu pai. "Ah, sei lá filho, muito, muito
grande", responde o pai, meio irritado,
mais interessado em ler o jornal do que
em conversar com o filho. "Mas, pai, se o
Universo tem tudo dentro dele, como
que ele pode ser só muito grande? O que
está do outro lado?", insiste o garoto. O
pai joga a toalha, "Olha filho, o Universo
é infinito, OK? Não tem nada do lado de
fora!" "E como você sabe disso?", continua o filho. "Você ou alguém já foi até o
fim do Universo?"
Pois é, as crianças às vezes fazem mesmo essas perguntas, para a aflição dos
adultos. Infelizmente, muitos se esquecem de que, quando eram crianças, também tinham essas dúvidas. Após anos de
educação, a curiosidade por essas grandes questões vai murchando e as perguntas vão ficando cada vez mais raras. O escritor tcheco Milan Kundera, em seu livro "A Insustentável Leveza do Ser",
proclama que as perguntas mais fundamentais são justamente aquelas feitas
pelas crianças. Muitas vezes elas são perguntas sem resposta, que forçam as pessoas a expandirem os seus horizontes
culturais e a sua criatividade na tentativa
de respondê-las. De certa forma, o cientista mantém viva essa curiosidade, debatendo-se com as mesmas dúvidas que
o afligiam quando criança. Essa visão pode parece meio romantizada, mas não é;
sem essa curiosidade constante, sem a
constante indagação, a ciência simplesmente não evolui. A pergunta é mais
fundamental do que a resposta.
O que não significa que as respostas
não sejam importantes. Voltando à
questão do tamanho do Universo, livros
inteiros podem ser escritos sintetizando
as várias respostas que foram dadas a essa única pergunta através dos tempos. A
preocupação com o tamanho do cosmo
é tão antiga quanto a história da humanidade. Não podendo resumir essa fascinante história aqui, basta lembrar que
apenas no final da Renascença o cosmo
passou de fechado a infinito. O inglês
Isaac Newton, que propôs a lei universal
da gravitação, ponderou que o Universo
deveria ser infinito em todas as direções;
caso contrário, a atração gravitacional
entre os corpos celestes faria com que
eles se embolassem todos no centro, em
vez de serem distribuídos através do espaço, conforme é observado.
Após Newton, a grande revolução na
concepção das dimensões cósmicas veio
com a descoberta da expansão do Universo, em 1929, pelo astrônomo americano Edwin Hubble. Anos antes, Einstein
havia proposto um universo finito, com
a geometria semelhante à da superfície
de uma esfera, mas em três dimensões.
(A superfície de uma esfera, por exemplo, uma bola, tem duas dimensões. Infelizmente, não dá para visualizar a superfície de uma esfera em três dimensões,
daí o exemplo em duas dimensões.) O
Universo de Einstein não só era finito como também estático, ou seja, o mesmo
por toda a eternidade. Em 1931, após visitar Hubble, Einstein concedeu que a expansão do Universo era mesmo fato consumado. (Interessante que para Hubble
a conclusão não fosse assim tão simples.)
Por incrível que pareça, hoje sabemos
qual a geometria do Universo: ela é plana
como a superfície de uma mesa, mas estendendo-se ao infinito em três dimensões. (Novamente, a superfície de uma
mesa tem duas dimensões.) Será que finalmente respondemos à antiga pergunta? Ainda não. Dado que a velocidade da
luz é a maior que existe, e é a velocidade
com que a informação que coletamos sobre o Universo se propaga, o que observamos do Universo é apenas uma parte
dele. Como o Universo existe há 14 bilhões de anos, estamos limitados a observações dentro de uma esfera com raio de
14 bilhões de anos-luz. Essa parte do
Universo, a nossa vizinhança cósmica,
sabemos que é plana. Mas nada podemos afirmar sobre o que existe "lá fora".
Portanto, a menos que possamos de alguma forma ultrapassar a velocidade da
luz -algo improvável no momento-
essa vai continuar sendo uma daquelas
perguntas sem uma resposta final. Mas
cheia de respostas intermediárias, todas
fascinantes.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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