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MOACYR SCLIAR
A mulher real, a mulher virtual
Você está feliz, como nunca esteve antes; você abençoa esta tecnologia que lhe permite viver um verdadeiro romance
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Local ideal para encontrar um parceiro
após os 45 anos é a internet, informa estudo publicado na revista britânica
"New Scientist". Folha Online
Mulher tenta seqüestrar namorado virtual nos EUA. Autoridades americanas
detiveram uma mulher que tentou seqüestrar um homem com o qual manteve um romance pela internet. Kimberly Jernigan, 33, moradora da Carolina do
Norte, não se conformou com o fim do
romance virtual que manteve com um
homem de 52 anos, que usava o nome
"Lion", residente em Claymont, Delaware. Os dois entraram em contato por
meio do Second Life, comunidade on-line. No entanto, quando ele a conheceu
pessoalmente, meses depois, decidiu pôr
fim ao relacionamento, o que fez com
que a mulher se desesperasse, segundo a
polícia. No início de agosto, Kimberly
Jernigan foi até o local de trabalho de
"Lion" e armada com um revólver, tentou seqüestrá-lo. Folha Online
"CARO LION: não, por favor,
não delete este e-mail.
Não o delete, Lion. Leia-o
até o fim, é a única coisa que lhe peço. Leia-o, e depois decida o que fazer. Mas leia-o. Não o delete.
Eu sei que você está furioso comigo, Lion. No seu lugar eu também estaria furiosa. Você inicia um relacionamento pela internet, que, segundo a prestigiosa revista "New Scientist", é, após os 45 anos, a forma ideal
para encontrar um parceiro ou parceira. Você de fato encontra uma
parceira. Você troca tórridos e-mails
com ela. Você está feliz, feliz como
nunca esteve em sua vida. Você
abençoa esta tecnologia que lhe permite viver um verdadeiro romance
virtual. E você não faz a mínima
questão de conhecer essa parceira.
Você prefere os delírios da imaginação amorosa à realidade que, como
você mesmo disse em uma mensagem, freqüentemente revela-se decepcionante. Não foram poucas as
frustrações que você teve com mulheres agressivas, autoritárias, arrogantes. Muito diferentes daquela
com a qual você trocava e-mails.
E de repente esta mulher sai da cidade dela e vem procurar você. É
uma terrível decepção. Trata-se de
uma pessoa completamente diferente daquela criada por sua imaginação. Uma mulher, como aquelas
que você odeia, agressiva, arrogante,
autoritária. De imediato você dá o
caso por encerrado. E aí, num ato
desesperado, ela, armada com uma
pistola, tenta seqüestrar você. Você
-coisa que poucos meses antes lhe
pareceria inimaginável- é obrigado
a fazer queixa à polícia.
É por isso que lhe escrevo, Lion.
Escrevo porque estou surpresa e
horrorizada com o que aconteceu,
com o que eu fiz. Mandando e-mails
eu era uma, Lion; procurando você
eu me tornei outra. Uma história tipo "O médico e o monstro". Não lhe
procurarei mais, Lion, mas preciso
que você me ajude a responder à
pergunta que me tortura: quem sou
eu, Lion? Sou a gentil e apaixonada
autora dos e-mails ou sou a violenta
mulher de revólver na mão? A mulher virtual é a mulher real, ou a mulher real na verdade é virtual?
Precisamos conversar sobre isso, Lion.
Caso contrário voltarei aí, Lion. Voltarei, Lion. Voltarei armada e disposta a tudo. E olhe que, assim como
escrevo belos e-mails, assim como
sei mirar o coração dos meus correspondentes, sei mirar muito bem os
alvos com minha arma."
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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