São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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DANUZA LEÃO

Não-me-toques

O preconceito deve ser combatido, nisso estamos todos de acordo. Não foi horrível quando, em 89, disseram que se Lula fosse eleito centenas de empresários deixariam o Brasil? E nessas eleições, quando alguém levantou a tese de que o candidato, por ser ex-operário e não ter curso universitário, não poderia governar o país, não foi um baita sinal de preconceito? E não foi horrível a declaração de Garotinho dizendo que mandaria desinfetar o palácio antes de Rosinha tomar posse? Foi, e ele talvez seja até processado por isso pelo PT. Com esses exemplos, voltamos ao início: o preconceito deve ser combatido etc. etc.
Quando se ouve ou lê uma crítica cruel, de má-fé ou injusta sobre alguém de quem gostamos ou que simplesmente admiramos, o primeiro sentimento é de revolta e raiva. Muito justo. Mas é fantástico observar como as mesmas pessoas que levantam a bandeira do não-preconceito podem ser tão preconceituosas -só que no sentido contrário.
De uns tempos para cá -mais precisamente, desde o resultado das eleições-, ficou proibido falar uma só palavra que possa parecer, de longe, uma crítica ao PT em geral e a Lula e Marisa em particular. Por mais que se diga, da maneira mais sincera e simpática, que a mudança na vida do casal vai ser radical e muitas vezes difícil, tem sempre quem ache que é preconceito; assim não dá.
Se você não é filiado ao partido desde a sua fundação, se disser que o brinco que Marisa usou é grande (ou pequeno), se fizer um comentário sobre o nó da gravata de Lula, que não estava bem feito, ou que a risada dele é alta (ou baixa) demais, é preconceito. E se ousar -ousar- fazer um comentário sobre como irá proceder o casal quando for jantar com a rainha da Inglaterra (o que seria um problema para qualquer mortal), aí cai o mundo e 200 petistas de primeira hora -ou não- vão dizer que você é preconceituosa.
Para eles, quem teve acesso ao chamado mundo sofisticado e glamourizado, viajou e conhece as frivolidades da vida -que mesmo inúteis, existes-, é imediatamente acusado de alguma coisa. Se bobear, vão dizer que esse tipo de pessoa não tinha nem direito a votar no petista. O que é isso? Preconceito, e pesado.
Os eleitores de Lula votaram nele para ver o Brasil mudar sob todos os aspectos, inclusive neste. Duvido que o novo presidente, de origem humilde, tenha qualquer preconceito quando for se encontrar com o presidente Bush, com o imperador do Japão ou com David Rockfeller. Mas nem todos os seus fiéis seguidores, cheios de não-me-toques, se deram conta disso.
Tenho a impressão de que quem mais vai criar problemas para Lula serão exatamente os seus companheiros, aqueles que não conseguem ver a diferença entre um comentário feito com boa vontade de uma ironia, uma brincadeira de uma maldade; se continuarem assim, vão mais atrapalhar do que ajudar.
Além de serem extremamente preconceituosos, falta a eles uma coisa fundamental, sem a qual a vida não pode ser vivida: humor.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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