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Bancada pela usina de idéias italiana Fabrica, equipe registra vida da população brasileira que vive na beira das estradas
Projeto busca em estradas a imagem da margem
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Não fica mais globalizado que
isso. Bancada por dinheiro da segunda maior empresa italiana do
mundo e apoiada por uma usina
de idéias criada por um fotógrafo
internacional, uma equipe de dois
mineiros e um argentino percorreu 20 mil km de estradas brasileiras para registrar a população que
vive na margem delas.
São borracheiros (muitos), índios (muitos, também), caminhoneiros, prostitutas, filhas de prostitutas, sem-terra, trabalhadores
de hotéis e pensões, registrados
em duas viagens, em 2003 e em
abril último, ao longo de um trajeto que sai de e termina em Belo
Horizonte e passa por Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Piauí,
Maranhão, Alagoas, Sergipe, Rio
de Janeiro e São Paulo.
O projeto tem o nome provisório de "Margens - Volte Sempre".
Ao todo, foram feitas 2 mil fotos
em Polaroid, gravadas 100 horas
de vídeo e seis horas de cinema,
sempre pelas mãos de Leandro
HBL (é como ele assina), Amiten
(idem) e o argentino Andres Reymondes. O que vão virar as imagens, sons, textos e desenhos captados nem o patrocinador sabe.
E o patrocinador é a Fabrica,
usina de idéias bancada pela multinacional italiana Benetton, em
Treviso, na região do Vêneto, um
dos pólos mais criativos da Europa, que todo ano seleciona menos
de uma dezena de jovens do mundo inteiro para lá estagiar.
Neste ano, o único brasileiro é o
mineiro Leandro HBL, ou Leandro Henrique Bezerra Lara, 27, o
idealizador e coordenador de
"Volte Sempre", que conseguiu
convencer os italianos a bancarem um projeto de R$ 150 mil que
deve virar um livro-diário e um
documentário longo em DVD.
"A idéia original era sair ao acaso e ir registrando", conta HBL.
"Depois, resolvemos limitar ao
contato com as populações que
vivem nas margens das estradas
brasileiras". Para seu companheiro Amiten, na verdade o diretor
de curtas Rodrigo Trindade Neto,
33, tão importante quanto o registro foi a interação entre pesquisadores e pesquisados.
Há de tudo. Da aldeia de índios
bêbados, no caso os kiriri, cujo cacique a equipe encontrou jogado
no acostamento da estrada que
passa por Nova Canudos, na Bahia, ao pequeno bairro que reúne
apenas prostitutas e seus filhos,
que parecem bastante em paz
com a profissão materna, em Jequié, também na Bahia.
Houve momentos engraçados,
como quando foram confundidos
primeiro com olheiros do programa de Silvio Santos, depois com
uma equipe do programa "Fantástico", e tiveram de lidar com
uma multidão de 200 pessoas que
se reuniu na praça de Rio Novo
(MA), todos querendo ser atores.
Perigosos, caso da batida que
participaram com a Polícia Militar atrás de vendedores de animais silvestres em Itatim, na Bahia -sendo que os policiais foram avisados da atividade ilegal
na beira da estrada pela própria
equipe, que ainda teve de ceder
seu carro para a blitz.
E tocantes, como o da senhora
que, sem terra, ara no acostamento ao longo de uma rodovia federal, colocando os cravos que cultiva para secar no próprio asfalto.
"Volte Sempre" começou em
1995, quando o fotógrafo Oliviero
Toscani, irascível italiano de
idéias desconcertantes, que criou
a polêmica revista "Colors" e a
própria Fabrica, veio ao Brasil dar
uma entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura.
Corta para 2003, quando HBL,
já proprietário de um estúdio mineiro de sucesso, o Mosquito, resolve bater nas portas da Fabrica e
pedir um estágio. "Não passei
nem pelos seguranças", lembra.
Enquanto afogava as mágoas
num boteco por ali e via seus próprios vídeos no laptop, entre eles
o protótipo do projeto, atraiu a
atenção de uma mulher.
Ela se revelaria a diretora da
área de vídeo da Fabrica. HBL ganhou o estágio e, com ele, o direito de desenvolver o projeto. Só os
buracos que a equipe enfrentou
nas estradas dariam para encher
um livro -e provavelmente vão.
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