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DANUZA LEÃO
Tentações perigosas
Encontrar um amor
antigo é sempre embaraçoso
-e complicado. Se ele te fez sofrer, não dá para abrir um sorriso
e mandar um "oi, tudo bem?". E
se foi você que aprontou, seria de
uma cruel indelicadeza fazer a
pergunta.
Em lugares com muita gente é
possível disfarçar; pode apertar os
olhos e fingir que ficou míope, por
exemplo. Mas, se der de cara com
ele num canto meio deserto, é
mais prudente atender o celular
(que não tocou -faz de conta
que só vibrou), para cortar qualquer possibilidade de uma conversa. E conversar sobre o quê?
Política, o último filme? Sobre o
passado, claro, nem pensar.
Mas difícil mesmo é quando
duas pessoas tiveram um grande
caso de amor em outra cidade
-Paris, por exemplo-, há muitos e muitos anos, nunca mais se
viram e o acaso faz com que eles
se cruzem numa rua ou num café
-na mesma Paris.
Primeiro é o susto, seguido de
uma fração de segundo para reconhecer -quem diria?- aquele
que foi uma grande paixão. Essa
hesitação acontece com os dois;
não que um tenha se esquecido do
outro, mas tudo aconteceu há
tanto tempo, que, quando esse encontro acontece, a ficha leva uns
segundos para cair.
Ela vai achar que o tempo foi
cruel com ele, esquecida de que o
tempo passou para ela também;
mais do que qualquer ruga, foi a
expressão do olhar que mudou.
Por expressão do olhar entenda-se o brilho das ilusões dos 20
anos, das esperanças, da certeza
de que o amor seria eterno. O
tempo passa e a vida vai nos fazendo menos crédulas e mais práticas; menos românticas, sobretudo. Quando eles se olham, se dão
conta de tudo isso e de muito
mais; sabem que cada marca no
rosto, cada fio de cabelo branco, é
resultado de outros amores que
aconteceram desde a última vez
que se viram, das experiências pelas quais passaram, um sem o outro. É a dolorosa constatação de
que a vida passou.
Como é possível perguntar a um
ex-grande amor o que aconteceu
nos anos em que não se viram, saber se ele sofreu quando se separaram, se a esqueceu, se se apaixonou de novo? E não poder dizer
que em todos esses anos nunca
surgiu outro homem que apagasse de seu coração e de seu corpo a
lembrança de tudo que eles foram, que, quando toca a música
que era a deles, seu coração ainda
bate forte e que nunca, em todos
esses anos, ela perdeu a esperança
de que ele um dia telefonasse e
dissesse que foi tudo um grande
erro, que a queria de novo para
sempre. Como dizer isso a um homem que não vê há 20 anos?
Não dá, simplesmente não dá.
Quando esse encontro acontece
e os dois não resistem a tomar
juntos um copo de vinho, a conversa, geralmente, é perigosa -e
geralmente os dois só fazem mentir. O que está feliz não fala, por
delicadeza. E o outro, que está só
e infeliz, também se cala. Problemas sentimentais podem ser contados a amigos, não a ex-amores.
Mas tem pior: é quando você
reencontra esse homem que não
vê há tanto tempo e por quem fez
todas as loucuras, não sente absolutamente nada e ainda pensa:
"Como é que eu perdi tanto tempo com esse bobo?" A auto-indulgência nos poupa de pensar "como eu era boba".
Por essas razões e mais umas
500, é mais prudente deixar o passado no seu devido lugar; mas, se
acontecer um desses encontros e
pintar a vontade de voltar no
tempo, seja forte e resista à tentação. Bravamente, se for preciso.
Em certas coisas não se deve
mexer, e o passado é, decididamente, uma delas.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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