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DANUZA LEÃO
Mãe
Mãe é assim mesmo: um dia
elas vão embora; mesmo a
relação tendo sido ótima, perfeita
não foi, porque nenhuma é.
Frequentemente você se irritava
com a quantidade de vezes que
ela telefonava para saber da sua
saúde ou fazer uma fofoca de família, sempre na hora em que você estava mais ocupado. Aliás:
mãe sempre liga nessa hora, ou
somos nós que sempre estamos
ocupados quando elas ligam?
Depois, eram as reclamações:
você não aparece nem telefona, o
médico disse que tenho de fazer
uns exames, a empregada anda
péssima, o síndico está implicando. Mãe é mãe: raramente elas
aparecem, sobretudo quando não
estão mais na flor da idade, para
contar uma boa notícia: que arranjaram um namorado novo ou
que vão fazer um cruzeiro pela
Grécia. E como nenhuma relação
é perfeita, nem entre filho e mãe
nem entre mãe e filho -e as duas
são totalmente diferentes-, o
tempo vai passando com alguns
pequenos atritos, como é natural,
e outros grandes, como também é
natural.
Um dia a saúde começa a falhar, e ela começa a dar trabalho.
Muito se fala do sofrimento dos
doentes e pouco do sofrimento
dos que acompanham os doentes.
É doloroso estar perto de alguém de quem se gosta muito sabendo que o fim está chegando,
ver essa pessoa tomando soro, injeções, cheia de tubos, sofrendo,
sem que se saiba se ela está ou
não consciente da realidade, se
tem esperança de sair daquela e
voltar a ter de novo saúde e juventude. E você às vezes pede a
Deus para que a agonia acabe,
por ela e por você, que está cansada e morre de culpa. Se acha um
monstro, mas sabe que não é por
aí, não é só por aí; não é justo
uma pessoa sofrer tanto, às vezes
durante meses, anos, quando já se
sabe como a história vai acabar.
Um dia ela acaba, e seus sentimentos ficam confusos. Por um
lado, alívio, por todas as razões
que nem é preciso explicar. Por
outro, uma dor que você não tinha idéia de que ia sentir.
Dores são dores, todas diferentes; a cada uma se reage de uma
maneira, e a da perda da mãe é
pesada, vem lá de dentro, lá do
fundo. Pela mãe a gente chora
sem pudor, por ela a gente soluça,
porque só mãe deixa a gente órfã
de verdade, mesmo que se tenha
passado dos 80.
Mas o tempo passa. Passam os
primeiros meses, os primeiros
anos, e, às vezes, num fim de semana, você chega a pensar em como é bom, num sábado, não ter
que visitar a mãe, como fez durante tantos anos: pode ir ao cinema e almoçar tarde sem nenhuma espécie de compromisso. Depois de tanta análise, consegue lidar com a culpa com uma certa
facilidade, compreende que não é
alívio, é apenas a vida que continua e é assim mesmo.
Os anos continuam passando
-três, cinco, dez, 12- e uma bela tarde, a troco de nada, você
tem uma grande vontade de falar
com ela. Não é exatamente saudade: é mais uma necessidade de
ligar e saber que ela está lá, pronta para ouvir o que você quiser dizer, durante o tempo que for, mesmo que seja na hora das notícias
da televisão, mesmo que o jantar
esteja na mesa. Você não tem
mais de quem reclamar porque
telefona muito, nem a quem dizer
"dá um tempo", já que ninguém
está tão interessado em sua saúde, e tempo é o que não falta (e
também não tem para quem ligar
quando está no sufoco, precisando desabafar).
Você não morre por causa disso,
nem chora, talvez nem chegue a
sofrer -não do jeito que está
acostumado a identificar o sofrimento-, mas fica mal; a vida
nesse momento tem um peso que
jamais desconfiou que tivesse, e
assim, por nada, você busca na
memória o número do telefone
que era dela.
E se dá conta de que esqueceu.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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