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TRANSPORTE
Linhas que circulam de madrugada em São Paulo têm poucos veículos, muita demora, lotação e trajetos longos
Ônibus noturno é martírio para passageiro
GIBA BERGAMIM JR.
DO "AGORA"
Enquanto a maior parte da população dorme, eles se espremem
em um ônibus que cruzará a capital paulista rumo à periferia. Trabalhadores da noite, usuários de
linhas de ônibus da madrugada
enfrentam testes de paciência e
resistência diários. Os veículos,
precários, em número reduzido e
apelidados de "negreiros", resumem a ainda triste situação do
transporte público da 0h às 5h na
cidade de São Paulo.
Para acompanhar de perto a situação desses passageiros, a reportagem fez, por seis noites, viagens em linhas de ônibus (das 23h
às 5h) na capital e na Grande São
Paulo. Sofrimento é a palavra
mais vezes citada pelos passageiros, que contabilizam problemas
e despejam reclamações.
A reportagem viajou em 11 linhas de ônibus -que fazem conexões entre o centro e a periferia
e a Grande São Paulo- e avaliou
a lotação, o tempo de espera e a
segurança. Parte das linhas não
foi poupada em nenhuma das situações avaliadas, o que reflete a
precariedade do sistema.
Negreiro
Nada supera as linhas de ônibus
que ligam o centro à zona leste. As
sete horas de trabalho como segurança em uma casa de shows de
Moema (bairro nobre da zona
sul) parecem moleza perto do que
enfrentam os amigos Jeferson
Bonfim dos Santos, 20, e Walmir
Calegari, 27, na linha 3310 (Praça
da República-Cidade Tiradentes).
"Aqui todo mundo sofre, o motorista, o cobrador e o passageiro.
É lotação, trajeto de quase duas
horas e meia e muito desrespeito", diz Santos, que embarca às
2h05 e só desce do veículo às 4h20,
no ponto final. Antes de pegar o
ônibus, às 2h05, os dois amigos
usam uma lotação clandestina de
Moema até o centro da cidade.
A longa viagem tem explicação:
o ônibus passa por todos os conjuntos habitacionais de Cidade
Tiradentes, uma das áreas mais
pobres da cidade. Mas a lotação
não é o único problema. "De sexta, você mal consegue entrar no
ônibus. Se conseguir, ainda vai ter
que aguentar o povo urinando
aqui dentro. Acredite", diz o cobrador Airton Domingos, 37.
A 3310, cujo trajeto tem 100,8
km, é uma das linhas cujos ônibus
foram apelidados de "negreiros".
Há algumas teses para o apelido.
Segundo motoristas de ônibus, "é
porque a linha circula à noite".
Para passageiros, é uma comparação com os navios negreiros,
que, durante a escravidão negra,
cruzavam continentes -da África para a Europa- com escravos.
"Este é o ônibus do [líder nazista Adolf] Hitler", criticou o garçom Davi Afonso da Silva, 32, ao
fazer uma comparação exagerada
do veículo com os trens que levavam judeus para campos de concentração na 2ª Guerra Mundial.
Na linha 501M, que liga a praça
da Sé à Vila Clara (zona sul), o
problema é a falta de ônibus. "Se a
gente perde o da 1h, só vamos pegar outro às 2h20. O que ajuda são
as peruas [clandestinas] que às
vezes aparecem", diz o porteiro
Alex Sandro Rosa Santos, 24, que
mora no Jabaquara e também cita
a quebra constante dos veículos.
Outra criticada é a linha 393C,
circular que conecta o centro e
Itaquera, na zona leste. "Precisa
de mais ônibus. A gente entra na
praça da República. Chega na Sé e
já está lotado", diz o motorista
Vando dos Santos, 25.
Situação inversa vive a linha
696-P (República-Pinheiros). A
rota oferece um veículo novo e
confortável, mas circula vazia.
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