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DANUZA LEÃO
Votar bem faz bem
As pessoas sonham com as
conquistas sociais, pensam
no bem-estar geral e na justiça
entre os homens; mas até que
ponto? Freqüentemente, até onde
esses ideais não interferem em
seus interesses pessoais.
Os candidatos em que ela costuma votar são os que apresentam
as propostas mais corretas: votou,
por exemplo, naquele que prometeu lutar para que as mulheres tivessem o direito à licença-maternidade, nada mais justo.
Mas quando a babá, que adora
seus filhos, comunica que está
grávida, pensou, no fundo do coração (e sem contar a ninguém),
que ela não precisava inventar esse filho logo agora (e de preferência, nunca). O bebê vai nascer nos
primeiros dias de dezembro, e vai
ter que encarar uma substituta,
sem nenhuma experiência, para
ficar no Natal, no Ano Novo e no
Carnaval, quatro longos meses. É
melhor ficar calada e não dizer o
que acha dos tais direitos -o dos
outros, é claro.
Na manhã de domingo, bem na
porta de sua casa, estaciona um
caminhão de som alardeando
coisas pelas quais você sempre lutou -teoricamente- com muitos discursos e muito samba. Você
dormiu tarde e só anseia por uma
coisa: o silêncio. Dá para dizer o
que se passa pela sua cabeça, ou é
melhor ficar calada, para não ser
tachada de nazista?
Num país com tantas desigualdades sociais, quem pode comprar ingresso para ver seu artista
predileto numa casa de shows é
uma pessoa privilegiada; nada
mais digno de aplausos do que o
projeto que instalou, em alguns
pontos da cidade, pequenos palcos onde, nos fins de semana e feriados, cantores se apresentam.
Um deles é a 50 metros de sua casa, e todo fim de semana, enquanto a galera vibra, canta e dança,
você, que trabalhou a semana inteira e tudo o que queria era poder ler um livro em paz, tem ódio
à alegria das ruas e amaldiçoa o
evento. Ah, ser humano, você
nunca falha.
Você tirou uma tarde para ir
ver uma exposição de arte que está fazendo o maior sucesso.
Quando chega, encontra um
monte de crianças ciceroneadas
por uma professora, e extasiadas
com o que estão vendo. Crianças
mostram seu entusiasmo fazendo
barulho, e você amaldiçoa quem
inventou que elas devem, desde
pequenas, freqüentar museus.
Quando votou pela última vez, isso fazia parte do plano do governo do seu candidato, mas que
preferia estar só -ou quase-
para desfrutar da emoção de ver
tais obras de arte, lá isso preferia.
Ah, como é difícil conciliar seu lado politicamente correto com seus
interesses pessoais.
E aquela praia quase particular
pertinho de Angra, de dificílimo
acesso e pela qual você pagou
uma fortuna, que parecia toda
sua? Um belo dia aparece uma família e arma uma barraca a 500
metros de sua casa. Ninguém fazendo churrasco ou tomando banho de mar pelado, só oito crianças alegremente jogando bola e
gritando, na mais perfeita harmonia familiar.
Você, que sempre admirou o PV
por defender a idéia de que o mar
é um bem de todos, começa a pensar seriamente em mandar subir
uma cerca eletrificada para desfrutar do paraíso sozinho com
seus amigos. Oh, vida.
Difícil a tal coerência quando se
trata de nosso sono, da nossa casa, dos nossos filhos, dos nossos
interesses. Mas hoje é dia de eleição e de quatro em quatro anos
olhar menos para seu próprio
umbigo e pensar um pouco nos
outros, será que é muito?
Naquela manhã em que o samba impediu você de dormir, muita gente se divertiu -e não é bom
saber disso? E sua babá, que está
toda feliz porque vai ter um filho?
Puxe pela memória e lembre como você ficou, quando soube que
ia ter o seu.
Pense em tudo isso e escolha
bem seu candidato, porque votar
bem faz bem ao coração.
Vote bem.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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