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ENTREVISTA
Laboratórios buscam superdrogas contra a Aids
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Os laboratórios norte-americanos têm 83 novas drogas em pesquisa contra o HIV/Aids. Todas
estão em fase de ensaio clínico
com humanos ou aguardando
aprovação do FDA, o órgão dos
EUA que controla medicamentos.
Nesse pacote estão 15 vacinas.
A informação é da PHRMA, entidade que reúne os laboratórios
de pesquisa dos EUA.
Trata-se de uma boa notícia para os pacientes que, sete anos
atrás, temiam que os laboratórios
tivessem esgotado sua disposição
de investir em HIV/Aids. Quando
o coquetel foi lançado em 1996,
com os inibidores de protease, o
custo dos remédios era tão alto
que a pergunta que se fazia era a
seguinte: haverá quem possa pagar por isso?
Foi quando países como o Brasil
passaram a bancar os remédios,
abrindo o mercado para milhares
de novos pacientes e conseguindo
reduções nos preços. Hoje, a OMS
(Organização Mundial da Saúde)
já fala em passar de 300 mil para 3
milhões, até 2005, o número de
pacientes pobres em tratamento.
Na esteira das pesquisas contra
o HIV estão os estudos sobre drogas contra a hepatite C, doença
que, neste século, ameaça causar
mais danos que a própria Aids.
"Estamos ampliando nossas
pesquisas nessa direção", disse
John Martin Leonard, 46, vice-presidente de desenvolvimento
farmacêutico do Abbott e que antes coordenou a pesquisa de medicamentos antiretrovirais desse
laboratório. Leonard foi parceiro
da equipe de David Ho na conclusão de que a terapia tripla era o
melhor ataque contra o vírus.
De acordo com dados da
PHRMA, os investimentos dos
seus laboratórios em pesquisa
passaram de US$ 1,3 bilhão em
1997 para US$ 32 bilhões em 2002,
considerando todas as drogas. Só
o Abbott investiu US$ 1 bilhão. E,
embora a empresa não revele
quanto está gastando com a Aids,
Leonard adianta que os investimentos estão concentrados em
novos inibidores de protease e na
busca do "superKaletra", uma das
drogas do coquetel mais receitadas no mundo.
Segundo o Abbott, a intenção é
produzir um só medicamento,
potente a ponto de substituir o coquetel e limitar as tomadas a um
comprimido por dia. Abaixo, trechos da entrevista concedida por
Leonard por e-mail:
Folha - Em 1997, o senhor afirmou que o Kaletra (lopinavir mais
ritonavir) poderia ser o último
grande investimento em medicação anti-Aids, uma vez que não haveria mais pacientes em condições
de pagar novas pesquisas. Esse
quadro mudou?
John Martin Leonard - Mudou. O
Abbott continua dedicado a identificar novas drogas para o tratamento do HIV e estamos ampliando as iniciativas para a hepatite C, outra área que merece cada
vez mais importância. Como existem vários paralelos entre HIV e
hepatite C, incluindo uma alta taxa de co-infecção, nós estamos
utilizando nossa pesquisa e expertise em HIV nessa nova área.
Ao mesmo tempo, continuamos a
estudar e investir no Kaletra,
atualmente o mais prescrito inibidor de protease do mundo.
Folha - Outros laboratórios continuam investindo em HIV/Aids?
Leonard - A pesquisa do HIV é
extremamente difícil e cara, mas
continua sendo feita. Só em 2003,
várias novas drogas foram aprovadas nos Estados Unidos, incluindo a primeira de uma nova
classe de medicamentos, chamada inibidores de fusão. Várias outras classes, como também novas
gerações das que estão no mercado, estão sendo pesquisadas.
O que continua crítico para o
desenvolvimento de novas drogas
é a capacidade da indústria de
providenciar recursos para reinvestir nessa categoria. Isso significa que indústria e governos necessitam trabalhar juntos para chegarem a um preço justo e sustentável, para garantir que os pacientes continuem a ter acesso às drogas atuais e novas.
Folha - O fato de governos e, mais
recentemente, organismos internacionais comprarem medicamentos mudou esse quadro?
Leonard - Os brasileiros devem
se orgulhar de seu programa na
medida em que continua a fornecer medicamentos eficazes e que
mantém a necessária inovação
para produzir novas drogas no futuro. É um modelo em que outros
países e organizações estão se mirando. É importante não focar somente o acesso; acesso eu defino
como ter drogas disponíveis no
mercado. Combater HIV/Aids
não é somente providenciar acesso; diz respeito também à infra-estrutura médica e social básica,
médicos bem treinados e pacientes motivados a seguir os tratamentos. Eu acredito que isso pode
ficar "ofuscado" quando todos só
falam de preço.
Na verdade, o Brasil continuará
recebendo Kaletra pelo mais baixo preço do mundo, exceto o preço praticado em nosso programa
humanitário para a África e os
países menos desenvolvidos conforme classificação da OMS.
Folha - A pressão de governos, da
OMS e mesmo da Organização
Mundial do Comércio pode levar a
uma diminuição da pesquisa?
Leonard - O Abbott continua a
trabalhar com o governo brasileiro para alcançar um preço justo e
sustentável. Contudo, eu não vejo
a ameaça de quebra de patente como parte das negociações. Em vez
disso, a violação da proteção de
propriedade intelectual significa
que as negociações falharam e
que os pacientes não terão mais
acesso aos tratamentos de alta
qualidade. Deixe-me ser claro: a
epidemia de HIV continua a se espalhar e mais medicações serão
necessárias. Minar as proteções à
propriedade intelectual, com a
utilização de cópias, ou exigir que
as empresas transfiram tecnologia para a produção local, pode
diminuir ou interromper a descoberta e o desenvolvimento de tratamentos futuros para doenças de
todas as áreas, incluindo HIV.
Proteger a propriedade intelectual encoraja a pesquisa que leva a
tratamentos mais rápidos, mais
eficazes e com menor custos. Sem
inovação e sem novas terapias,
quem perde, no final, é o paciente.
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