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DROGAS
Estudo mostra que viciadas, no desespero para comprar a droga, recorrem às ruas sem se importar com a prevenção de doenças
Crack empurra mulheres à prostituição
ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL
"Eu tenho nove filhos e estou esperando o décimo. Conheci um
cara no ponto. Aí aconteceu.
Quando fui ver, já não descia mais
e estou grávida de novo. É... a
criança é de um programa, eu
nem sei quem é o cara. Vou ser a
mãe dele, e o pai é Deus."
Paulistana, 30 anos, T. é personagem de um drama urbano pouco conhecido até agora. Dependente de crack, ela acabou nas
ruas, não como prostituta comum que troca sexo por dinheiro
e pensa em prevenir-se com camisinha, mas como uma pessoa escravizada e incapaz de medir consequências quando no auge da
necessidade de ter a droga.
A história de T. e de outras 79
"crackeiras" fazem parte de um
estudo inédito no país feito pelo
Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), da Universidade Federal
de São Paulo, financiado pelo Ministério da Saúde, por meio da
Coordenação Nacional de DST/
Aids, e que deve ser divulgado oficialmente neste mês.
Diferentemente do que se pensava, o uso da droga, que se dá fumando a pedra em um tipo de cachimbo, e não injetando como
outras, não é tão seguro em relação ao risco de contágio pelo vírus
da Aids nem menos danoso para
a sociedade, segundo a coordenadora da pesquisa, a psicofarmacóloga Solange Nappo, 51.
Pior, diz Nappo, por não terem
sido descobertas antes, essas mulheres não foram atingidas pelas
estratégias clássicas de prevenção.
Falta instrução a elas sobre o risco
de algumas formas de sexo. "Oral
eu sempre faço sem camisinha",
afirma uma das entrevistadas.
Pelo risco que correm, ganham
no máximo R$ 50. A maioria sai
por menos de R$ 20 -suficiente
para duas pedras-, até por R$ 5.
Mais da metade (59%) tem menos de 30 anos e possui filhos
(61%). "Evitar filhos parece ser algo distante dessas mulheres, e o
aborto é praticado como solução", afirma Nappo. A pesquisa
não analisou quantos filhos foram
gerados por meio desses programas nem a situação das crianças.
E nada se sabe ainda sobre os
homens que pagam pelos programas, a quem, segundo elas, cabe
decidir se o preservativo será ou
não usado. "Quando tô virada
[sob efeito da droga" e o cara não
coloca, não tô nem vendo", diz
uma das entrevistadas.
O Cebrid espera que o resultado
ajude a criar programas específicos para essas dependentes.
Por se basear em entrevistas, a
pesquisa não estimou o número
de crackeiras. As mulheres foram
localizadas em São Paulo e em São
José do Rio Preto (440 km da capital). Quatro delas disseram ser
portadoras do HIV e que, apesar
disso, continuavam nas ruas.
No Brasil, o crack está mais presente no Sudeste, com mais intensidade em São Paulo, além da região Sul. O Rio fica de fora, porque o tráfico não aceita o crack.
Círculo
O primeiro estudo sobre o crack
no país, feito em 94 pelo Cebrid,
mostrou que o usuário médio era
jovem, homem e de uma classe
social mais baixa. Nada se detectou sobre as mulheres.
Na "fissura" -desejo da droga-, os dependentes acabavam
envolvidos em furtos e roubos.
Não há estimativa no Brasil, mas,
na Inglaterra, viciados em heroína e em cocaína estão envolvidos
em 32% da atividade criminal.
Segundo a literatura internacional, as mulheres dependentes seguiam outro caminho: a prostituição. Um estudo realizado em
Miami (2000), citado pelo Cebrid,
mostrou que, de um total de 851
crackeiras entrevistadas, 708
(83,2%) se prostituíam para ter a
droga. Foi essa tendência, ainda
não explorada no país, que provocou a pesquisa do Cebrid.
Para entender o problema, é
preciso analisar dois pontos: a dependência em relação à droga é
rápida -de um a dois meses de
uso, segundo Nappo- e o custo
do vício é elevado. "Com o tempo,
é preciso usar cada vez mais para
sentir a mesma coisa. Consequentemente, é preciso fazer mais programas para obter a mesma
quantidade de droga", diz Nappo.
Consumo diário
Em média, os dependentes gastam de R$ 50 a R$ 100 por dia. Das
entrevistadas, 93% disseram consumir crack diariamente. "Eu trabalhava, mas o dinheiro que eu
ganhava só dava pra pagar o aluguel, o gás, essas coisas. Precisava
de dinheiro e não tinha. Foi aí que
comecei a fazer programa", afirma uma das mulheres ouvidas.
Na fissura pela droga, 62% disseram se prostituir todo dia, chegando a ter nove parceiros diferentes em uma única noite. A duração do programa é de no mínimo cinco minutos, em que algumas são agredidas, esfaqueadas e
até estupradas. Os depoimentos
coletados impressionam.
O ambiente em que vivem é o
pior possível. Há depoimentos
que mostram os traficantes incentivando a prostituição -para
elas, a "venda" do corpo não é crime. Um homem viciado teria de
roubar para pagar a dívida de
droga, arriscando-se a ser preso.
As entrevistas também revelaram descaso de autoridades. "Eu
estava com dois caras em um carro. Aí, vizinhos chamaram a polícia e eles tiveram de dar o som do
carro pra polícia senão todo mundo seria preso porque eu era menor", afirma uma entrevistada.
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