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DANUZA LEÃO
Pingos nos "is"
Quando a gente se dá conta
de que se explicou mal, deve
procurar se explicar melhor; e se,
sem querer, ofendeu, deve dizer
que a intenção não era essa. É o
que vou fazer agora.
Por mais globalizado que o
mundo esteja, algumas coisas são
regionais, outras, nacionais,
outras, universais. A razão? Vai
saber.
A bossa nova, por exemplo, nasceu universal, por isso foi logo
consagrada de Tóquio ao México,
passando pela Patagônia e pela
Oceania; já se num elevador de
Nova York tocar um fado, os
americanos não vão entender. A
bossa nova é linda, o fado é lindo,
mas algumas manifestações populares são tão enraizadas que o
mais certo seria conhecê-las no
seu habitat. Tem melhor do que
ouvir um grupo de mariachis tocando e cantando numa pequena
cidade do México? Tomando
uma tequila, de preferência?
Existem coisas, pessoas, modas,
comidas, músicas, folclores, vinhos, que viajam mal, e é preciso
ter sensibilidade para entender
que o segredo de tudo está no saber harmonizar.
Das maiores felicidades que
existem é chegar a Salvador e pedir ao motorista do táxi para, no
caminho do hotel, parar numa
barraca de baiana.
Eles conhecem todas pelo nome,
e sentar num banquinho tosco
para comer um acarajé num papel cor-de-rosa de embrulho,
tomando uma cerveja, é das melhores coisas da vida. Depois disso, já dá até para pegar o avião
de volta.
Mas experimente fazer isso em
São Paulo: não tem nada a ver. O
dendê não combina com a cidade, as mãos lambuzadas não
combinam com a maneira como
se vestem as paulistas, a temperatura da cidade atrapalha (e se estiver fazendo calor, não muda
nada). Acarajé é em Salvador, se
possível sentindo o cheiro do mar
de Itapoã.
Não há espetáculo mais empolgante do que um desfile de escola
de samba; os cariocas entram na
fila para comprar os ingressos 48
horas antes de a bilheteria abrir, e
mesmo debaixo de chuva ninguém se move até o último sambista acabar de desfilar -e isso,
durante duas noites seguidas.
Não há quem não se entusiasme,
não se empolgue e não saia dizendo que assistiu a um dos mais lindos espetáculos da Terra.
Mas escola de samba também
viaja mal, e tive a prova disso em
duas ocasiões.
A primeira foi numa festança
em Mônaco, a outra na Copa
do Mundo de 98, em Paris, nos
jardins das Tulherias, onde se
exibiram algumas alas de escolas
cariocas.
Foi um constrangimento. Por
quê? Porque não combinava. Como não combinaria levar um
grupo de escoceses para exibir
suas gaitas de foles e seus kilts em
Recife, como não combinaria um
festival de música techno em Belém, como não combina um ministro com um dentinho pintado
de carvão numa festa caipira que
pode ser linda em Caruaru, mas
não tem nada a ver com o mundo
oficial, numa residência oficial,
em Brasília; apenas uma questão
de sensibilidade e estética. Você
já viu alguma coisa mais descombinada do que o Halloween no
Brasil?
É impossível explicar, e como o
samba, não se aprende na escola:
se entende ou não se entende a diferença entre as coisas universais
e as regionais; nada a favor nem
contra, apenas uma constatação.
É como um namorado marroquino com quem você teve um romance em Marrakech. Foi lindo,
mas não invente de trazê-lo para
o Brasil porque não vai dar certo.
Certas coisas -tanto quanto certas pessoas- são para serem
apreciadas e admiradas no seu
lugar de origem.
E para terminar, uma regra
universal: presidentes da República e suas respectivas esposas não
devem, jamais, se fantasiar.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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