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DIREITOS HUMANOS
Principal acusado, policial que responsabilizou cinco jovens por assalto está sendo procurado há quatro meses
Justiça apura tortura praticada por PMs
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
A operação da Polícia Militar
que prendeu uma suposta quadrilha de ladrões de carro parecia tão
perfeita que, no primeiro momento, até familiares dos presos
acreditaram nela. Mas, 112 dias
depois, os suspeitos -cinco jovens, entre eles uma garota- deixaram a cadeia.
Todos afirmam que foram torturados em uma base comunitária da PM em São Bernardo do
Campo (Grande SP) para confessar o crime. Quatro policiais militares foram afastados, segundo a
Secretaria da Segurança Pública.
Exames de corpo de delito identificaram lesões nos cinco jovens.
As sessões de tortura teriam contado com o uso de alicate, martelo
e pedaços de madeira e durado de
uma hora a uma hora e meia, em
dois momentos do mesmo dia. A
violência é explicada, segundo
presos e parentes, pelo fato de a
suposta vítima ser um PM.
O soldado Wilson Russi Schilive, 26, que estava de folga quando
teria sido abordado pelos ladrões,
é procurado há quatro meses pela
Justiça de São Bernardo. Segundo
ofícios do 6º Batalhão da PM enviados à Justiça, o soldado tem renovado seus atestados médicos e,
por isso, não pode ser apresentado. O policial é apontado como
um dos torturadores.
Schilive precisa confirmar à Justiça o que disse na delegacia no
dia 18 de fevereiro deste ano,
quando afirmou ter reconhecido,
"sem sombra de dúvida", os cinco
jovens. O PM afirmou, segundo o
boletim de ocorrência 1.519/2004,
que os suspeitos o assaltaram
quando ele parou o carro na frente da casa de um amigo.
O PM avisou colegas e desencadeou uma operação à procura dos
ladrões. Os cinco jovens -com
idades entre 21 e 24 anos- eram
vizinhos no bairro Assunção, em
São Bernardo. A base comunitária fica na praça Giovane Breda,
também na região.
Degravação do Copom (central
de operações da PM) mostra que
o operador da central, após saber
da localização dos suspeitos, chegou a questionar os PMs sobre a
demora em chegar à delegacia. "A
gente ainda está em averiguação",
respondeu um dos policiais.
Na base comunitária, segundo
os jovens, além de socos e pontapés, eles tiveram partes do corpo
apertadas com alicate e os dedos
foram atingidos com marteladas.
A garota, de 21 anos, diz que teve
os bicos dos seios apertados com
o alicate.
A ação dos policiais do 6º Batalhão virou alvo de investigação da
Corregedoria da Polícia Judiciária
de São Bernardo -órgão da Justiça- e da própria PM e passou a
ser denunciada por entidades de
direitos humanos.
"É um caso escandaloso. Mostra
como funciona a polícia de São
Paulo", disse o advogado Ariel de
Castro Alves, do Movimento Nacional de Direitos Humanos. Ele
estava no grupo de advogados e
familiares que compareceu na última audiência do processo, no
dia 9, para pedir a soltura dos jovens. Como o PM não apareceu
mais uma vez, a prisão em flagrante foi relaxada.
Os jovens falaram pela primeira
vez da suposta tortura dois dias
depois da prisão. Anotação no livro de atividades do CDP (Centro
de Detenção Provisória) de Mogi
das Cruzes, para onde os homens
foram levados, registrada às 13h
do dia 20 de fevereiro, aponta escoriações em dois deles. Na ocasião, eles falaram que foram agredidos pelos policiais.
No dia 17 de março, os cinco falaram das supostas tortura ao juiz.
Familiares passaram a denunciar
o caso, e a Corregedoria da Polícia
Judiciária iniciou uma investigação, segundo o juiz-corregedor
Luis Geraldo Lanfredi. Familiares
dos presos já foram ouvidos.
A ACAT - Brasil (Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura)
divulgou no mês passado um relatório sobre o caso. O documento, elaborado por Isabel Peres, vice-coordenadora da entidade, pede o afastamento dos policiais envolvidos e a investigação.
Segundo um dos jovens, cerca
de 20 PMs participaram das
agressões. O documento da
ACAT identifica Schilive e mais
três policiais: Ademilson Ramos,
Sandro da Silva Serra e Ademilson Viana. Os quatro foram afastados, segundo a secretaria.
Ramos e Serra já tinham sido
denunciados pelo Ministério Público pelo crime de tortura por
causa de um incidente ocorrido
no dia 7 de fevereiro deste ano.
Dois jovens -um deles menor de
idade- afirmam que foram espancados pela dupla, que também teria usado o cadáver resultante de um acidente de trânsito
para amedrontar as vítimas. A denúncia foi rejeitada pela Justiça,
mas a Promotoria recorreu.
Familiares dos presos apontam
uma série de contradições no processo. Comunicações entre os
PMs envolvidos na ação e o Copom, registradas a partir das
21h16 do dia 18 de fevereiro, mostram que Schilive informou aos
colegas, inicialmente, que tivera
seu carro roubado por dois homens. Não há referência a outros
carros envolvidos no crime.
Na delegacia, o PM afirma que
fora roubado por cinco pessoas e
cita três veículos. Ele também disse que medidores de pressão
(óleo, combustível, turbina etc.),
que estavam em caixas no seu carro, foram levados pelos ladrões.
Os equipamentos teriam sido
encontrados no carro de um dos
jovens presos, só que estavam instalados no painel. "A prisão ocorreu nem meia hora depois do roubo. Como podem ter instalado os
aparelhos e fugido?", disse José
(nome fictício), pai de um dos jovens. Também foram anexados
ao processo, pela família do jovem preso, as notas fiscais da
compra dos equipamentos.
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