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SAÚDE
Sete em cada dez brasileiros que sofrem do distúrbio são adultos e muitos carregam o estigma de "pouco inteligente"
Maioria tem diagnóstico tardio de dislexia
ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA
O mundo das letras sempre foi
um mistério para a contadora
Priscila Felice, 27. "Eu nunca fui
preguiçosa, estudava muito, mas
não entendia direito o que lia." O
aprendizado a duras penas foi
uma constante na vida escolar de
Priscila, até os 25, quando uma reportagem deu a pista do que ela
poderia ter: dislexia. "A descoberta foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida."
De cada dez disléxicos diagnosticados no Brasil nos últimos dois
anos, sete eram adultos, segundo
a ABD (Associação Brasileira de
Dislexia). Assim como Priscila,
são pessoas instruídas que enfrentam problemas de escrita e
leitura até descobrir que possuem
um transtorno neurológico. Boa
parte carrega a pecha de ser pouco inteligente, lerda e desatenta.
Definido como distúrbio ou
transtorno de aprendizagem na
leitura, escrita e soletração, a dislexia foi diagnosticada pela primeira vez em 1896, pelo neurologista inglês Pringle Morgan, que a
chamou de cegueira verbal. Hoje
sabe-se que ocorre em três graus.
Leve (pequena dificuldade para
ler e escrever), moderado (troca
freqüente de palavras lidas e escritas e falhas de memória para fatos
imediatos) e severo (quase incapacidade para ler e escrever).
Os disléxicos podem ser doutores, advogados, artistas, engenheiros. Entidades e associações
costumam listar famosos supostamente vítimas do distúrbio, como a escritora de suspense Agatha Christie. "Mas eles não foram
diagnosticados", alerta o médico
neurocientista Cláudio Guimarães dos Santos, 44, da Unifesp
(Universidade Federal de SP).
O diagnóstico envolve profissionais das áreas de fonoaudiologia, psicologia e psicopedagogia, e
é comum que seja seguido de uma
"descarga" emocional. "Esses pacientes sofrem a vida toda com
rótulos e preconceitos. Alguns,
quando crianças, foram submetidos a castigos e humilhações", diz
Maria Angela Nico, 55, coordenadora técnica e científica da ABD.
O assistente social aposentado
Antonio Barboza, 59, que descobriu ser portador há dois meses,
diz que a dificuldade em interpretar textos rendeu-lhe o apelido de
"caranguejo". "Um professor dizia que eu não ia para frente, só
andava para os lados. Isso virou
um estigma", conta.
Na escola, Antonio diz que se
sentia um "peixe fora d'água".
"Chegava a ler até quatro vezes o
mesmo texto, na quarta linha, já
havia esquecido o que tinha escrito nas três anteriores." À custa de
muito estudo, só repetiu a primeira série e concluiu a faculdade.
Na maturidade, Antonio viu os
mesmos problemas ocorrerem
com um de seus três filhos, André,
24, até que no ano passado o rapaz descobriu a dislexia na internet, se identificou com os sintomas e fez os exames. O resultado
do filho abriu os olhos do pai,
diagnosticado como disléxico
moderado. O caso de André,
quinto ano de direito, é severo.
"Inverto frases e tenho falhas na
memória imediata: esqueço, por
exemplo, um número de telefone
antes de anotá-lo." André adotou
o transtorno como tema de sua
monografia de conclusão de curso. "Quero abordar o papel do poder público no auxílio a crianças
disléxicas em escolas públicas e
privadas."
A escola é a principal vitrine da
dislexia. Para tentar frear o número de descobertas tardias, a ABD
elaborou uma cartilha para crianças disléxicas em processo de alfabetização. Inicialmente, o material deverá ser distribuído pelo
MEC (Ministério da Educação)
para a capacitação de professores
em 116 municípios brasileiros a
partir do segundo semestre.
"É recorrente pais e professores
interpretarem o aluno disléxico
como desinteressado e imaturo, o
que contribui para baixar a auto-estima da criança", diz a psicóloga
Clarice Ferreira Barbosa, 45, mãe
de Celso, 7, que trocou três vezes
de escola antes de ter o diagnóstico de dislexia severa. Há um ano e
meio, Celso se trata com fonoaudióloga. Não erra mais a seqüência numérica, tem maior facilidade em associar nomes e objetos e
está recuperando a auto-estima.
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