Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
entrevista
"Tortura é um problema cultural", diz sociólogo
DA REPORTAGEM LOCAL
O sociólogo Ignacio Cano
diz que o maior sintoma de
que a tortura se tornou natural no país é que só há escândalo quando a vítima é inocente. Professor da Uerj (Universidade Estadual do
Rio de Janeiro), na qual integra o Laboratório de Análise
de Violência, ele diz que "a
polícia no Brasil tortura como parte do seu trabalho
desde que foi criada, no começo do século 19".
Nascido na Espanha, Cano, 46, diz, porém, que é possível prevenir esse crime.
FOLHA - Dá para prevenir a tortura, como manda a ONU?
IGNACIO CANO - Além de ser
um problema legal, a tortura
é um problema cultural. Sofremos uma naturalização da
cultura por parte dos executores, da opinião pública e
até das vítimas.
FOLHA - Por que a tortura se tornou normal no Brasil?
CANO - Historicamente, a
tortura sempre foi um mecanismo de controle das camadas populares. As primeiras
polícias no Brasil foram criadas para diversas missões,
entre elas a de açoitar os escravos que fugiam.
A polícia no Brasil tortura
como parte do seu trabalho
desde que foi criada no começo do século 19. Tortura
no Brasil só é escândalo
quando aplicada contra inocentes. Só vira escândalo
quando atinge o alvo errado.
FOLHA - Por que a vítima de tortura aceita essa prática?
CANO - Nas prisões já entrevistei presos que dizem assim: "Apanhei tal dia, mas tinha tentado fugir". A violência faz parte do jogo e as vítimas aceitam isso. Eles só não
aceitam quando há violência
gratuita, quando acham que
não fizeram nada para merecer. Os agentes do Estado
também acham normal torturar. Em diversos Estados
encontramos cacetetes com
a inscrição "direitos humanos". É um problema cultural. Não vamos conseguir
desterrar a tortura só com legislação penal, que é indispensável, mas não suficiente.
FOLHA - Como se desmonta o
aspecto cultural da tortura?
CANO - Tem de fazer curso
na academia de polícia e melhorar o controle interno e
externo da polícia. As ações
das corregedorias são pífias
não só com a tortura, mas
com a corrupção. Tem de
treinar promotores e fazer
curso para juízes mostrando
a legislação internacional. Isso ajuda a evitar o que muito
promotor faz: enquadra a
tortura como lesão dolosa
para evitar usar o termo e aí
não dá para tipificar o crime.
FOLHA - Os promotores são coniventes com a tortura?
CANO - Muitas vezes sim.
Nos últimos anos houve uma
melhora, com capacitação de
alguns promotores. A lei que
pune a tortura foi criada em
1997 e o uso dela foi pífio.
FOLHA - São Paulo tem um governo social-democrata. O sr.
acha que, com essa orientação
política, a administração combate a tortura ou é omisso?
CANO - O governo que premiava os policiais que matavam no Rio era social-democrata, PSDB; foi o governo de
Marcello Alencar. Essa coisa
do olhar ideológico não costuma funcionar em segurança pública no Brasil. Tortura
é um crime bárbaro, hediondo, contra a humanidade. A
execução sumária e a tortura
deveriam ser uma prioridade
nacional, mas não são -nem
do governo federal nem dos
governos estaduais.
(MCC)
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: SP expulsou só 6 policiais por tortura desde 2003 Índice
|