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Famílias de São Paulo se mudam para condomínios "4 em 1"
Os novos espaços chegam a custar R$ 17 milhões e conjugam moradia, compras, trabalho e diversão; arquitetos classificam a iniciativa como "artificial"
RAFAEL BALSEMÃO
LEANDRO NOMURA
DA REVISTA DA FOLHA
Uma minicidade está nascendo dentro de São Paulo. É
um pequeno universo de sonhos, com promessa de segurança, espaços arborizados,
sem engarrafamento e com todos os serviços à mão. Um luxo
para os 275 paulistanos que já
se dispuseram a pagar entre R$
2 milhões e R$ 17,3 milhões por
um apartamento no Parque Cidade Jardim, empreendimento
que reúne prédios residenciais,
comerciais e um dos shoppings
mais luxuosos da cidade.
"Vou me mudar de um terreno de 2.000 m2 para um de 72
mil m2", compara Camilo Nader, 62, industrial que irá trocar sua casa no Morumbi, onde
viveu nos últimos 25 anos, pelas amplas áreas verdes e serviços "prime" oferecidos pelo
complexo. No mês que vem,
quatro das nove torres do empreendimento na zona sul da
capital começam a receber os
primeiros moradores.
O Parque Cidade Jardim tem
como inspiração grandes empreendimentos ao redor do
mundo, como o Time Warner
Center, em Nova York, na beira
do Central Park. "O conceito de
uso misto combina o divertir, o
trabalhar, o morar e o comprar", explica Daniel Mcquoid,
51, vice-presidente da construtora JHSF. Em Kuala Lumpur,
na Malásia, o Petronas Twin
Towers, segundo edifício mais
alto do mundo, e o Kuala Lumpur City Center são outros
exemplos de empreendimentos dentro dessa filosofia. Além
do Parque Cidade Jardim, também em São Paulo, será inaugurado o condomínio Parque
Villa-Lobos, com características semelhantes.
O executivo Marcos Quintela, 37, que hoje mora no Morumbi, vai se mudar para um
apartamento de 600 m2 no edifício Jabuticabeiras, um dos
primeiros residenciais a ficar
prontos no Parque Cidade Jardim. Casado com a empresária
Débora, 35, e pai de três crianças, Marcos justifica a troca em
busca de maior qualidade de vida. "Quero deixar de gastar
tempo no trânsito para ficar
mais com meus filhos", afirma.
A única preocupação é a superexposição dos filhos Pietra,
oito meses, Caio, dois anos, e
Luca, 5, ao apelo das vitrines.
"No começo, a idéia de morar
tão próxima de um shopping
me deixou assustada", diz.
"Mas a questão do consumo na
vida das crianças depende da
educação que os pais dão."
A família Quintela adquiriu
ainda um escritório nas torres
comerciais, que só devem ser
entregues em 2010. "Não sei se
vou trabalhar lá quando ficar
pronto, mas o investimento foi
feito", diz ele. Débora está de
olho na sala comercial.
Os Quintela vão, assim, viver
de um novo jeito na metrópole,
unindo moradia, trabalho, lazer e consumo.
Justificar a opção por mais
comodidade, qualidade de vida
e segurança não evita as críticas ao novo conceito "4 em 1"
de moradia. "É uma tendência
que mostra o empobrecimento
da questão urbana. Quem vive
isolado perde a riqueza de estímulos que a cidade tem", afirma a arquiteta e urbanista Maria Lucia Refinetti Martins, 56,
da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo).
Quando o conceito ganha um
quarto elemento, o consumo
(lojas e serviços) no quintal de
casa, os estudiosos da vida urbana ficam ainda mais temerosos em relação ao futuro da cidade como espaço de civilidade
e de cidadania. "Se todo mundo
se fechar em seus muros, a situação fora vai ficar muito
pior", teme Maria Lucia.
Socialização
A mudança para um local
com todas as facilidades de um
shopping também vai marcar
uma nova fase na vida do industrial Camilo Nader. Morar no
Parque Cidade Jardim na terceira idade é encarado por ele
como uma nova forma de socialização. "Lá, todo mundo se conhece. A gente vai ficando mais
velho e sozinho. É muito animador saber que basta pegar
um elevador para encontrar
amigos, ver gente bela."
Almoço em casa
A violência da metrópole pesou também na decisão de Camilo de embarcar no conceito
"4 em 1". "Apesar de eu morar
em uma rua sem saída, trata-se
de uma segurança muito mais
frágil se comparada à do shopping e à dos prédios", diz ele,
que calcula a economia que terá. "Vou desembolsar muito
menos do que gastaria com seguranças particulares." Ele
compara a despesa para dispor
da mesma proteção na atual casa com os R$ 3.000 mensais
que pagará no condomínio.
É um preço que embute mais
que segurança. "Assim que as
torres comerciais ficarem
prontas, pretendo me transferir para lá. Vou trabalhar de
carrinho de golfe e almoçar em
casa todos os dias", planeja.
"Qual morador de São Paulo
tem o privilégio de fazer isso?"
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