São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2008

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ARTIGO

Mapa da desigualdade

PAULA MIRAGLIA
ESPECIAL PARA A FOLHA

NUM CENÁRIO de queda expressiva dos homicídios no Estado nos últimos cinco anos, a publicação do mapa da distribuição dos crimes na cidade de São Paulo, baseado em dados da Secretaria da Segurança Pública, ganha ainda mais importância.
Em primeiro lugar, fica evidente o valor da informação, sobretudo quando o tema são dados relativos à criminalidade. Ainda que a pasta questione a divulgação desses dados -apontando a possibilidade de estigmatização de determinadas regiões, possível benefício da especulação imobiliária ou eventual prejuízo das ações policiais-, essas são informações fundamentais para a formulação de políticas públicas que extrapolem a área da segurança, assim como para revelar a economia desigual de riscos em São Paulo.
O mapa traz uma série de informações conhecidas, expondo disparidades profundas na cidade e mostrando como a capital paulista foi eficiente na contenção dos crimes de natureza violenta, tais como homicídios e estupros, nas periferias da cidade.
Mas os dados também mostram que essa não é uma associação imediata. Distritos com níveis semelhantes de vulnerabilidade social não têm como resultado as mesmas taxas de homicídio, da mesma forma que nem todos os bairros com renda alta são alvos dos crimes contra o patrimônio. O que pode, a princípio, parecer uma equação óbvia, se apresenta como um problema mais complexo e diversificado, e está intrinsecamente ligado à geografia de uma cidade fragmentada, onde a segregação se dá também via vitimização criminal.
Desse modo, fica claro como o território é um elemento fundamental na elaboração de políticas de prevenção e combate à criminalidade. É preciso compreender, a partir de cada localidade, as dinâmicas envolvidas nas estatísticas criminais. A presença do crime organizado ou a grande circulação de armas de fogo, por exemplo, são elementos determinantes para altas taxas de homicídio. Por outro lado, ruas pouco iluminadas e espaços desertos e deteriorados podem favorecer a prática de roubo de carros ou estupros.
Com efeito, se a ação policial cumpre um papel essencial, um diagnóstico territorializado pode subsidiar políticas de prevenção mais eficazes, plurais e que envolvam outras áreas e atores além da própria polícia.
Iluminação e melhoria da infra-estrutura urbana atendem às demandas colocadas por certo tipo de crime; câmeras de vigilância em certos locais podem ser eficientes na prevenção de roubos de carro e furtos; a recuperação de espaços públicos e a mobilização comunitária já se mostraram estratégias poderosas de prevenção. Os exemplos são muitos e refletem o fato de que as múltiplas versões da criminalidade pedem ações e políticas focadas.
São Paulo é uma cidade que vem fazendo grandes investimentos -públicos e privados- em segurança. Nas últimas duas décadas, a criminalidade foi responsável pela transformação progressiva da paisagem da cidade, seja em regiões ricas ou pobres. Reverter a disparidade que caracteriza a distribuição da segurança entre distritos deve ser entendido também como uma política urbana, e parte de um projeto maior de construção de uma cidade menos desigual, na qual a segurança seja um direito de todos.


Paula Miraglia é doutora em Antropologia Social pela USP e diretora executiva do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente).


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