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VIDA EM FAMÍLIA
Quando a prole está sob ameaça, autopreservação fica em segundo plano
Pais heróis salvam filhos de grandes e pequenos perigos
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
O coração dispara a mais de
cem batimentos por minuto, a
pressão arterial aumenta drasticamente e o corpo recebe uma descarga de adrenalina -fica agitado, transpira. Poucas situações
provocam efeitos tão incontroláveis e imediatos no organismo
quanto ver um filho em uma situação de alto risco. A tensão é
enorme e a reação, instantânea
como um reflexo.
Foi isso o que fez com que o professor universitário Hélio Teixeira, 54, se atirasse em um canal e
enfrentasse, no braço, um aligator
-réptil aparentado com o crocodilo. Em julho de 1996, Teixeira
passeava de bicicleta com a esposa e os três filhos no Parque Nacional de Everglades, na Flórida,
nos Estados Unidos. Longe dos
olhos do pai, que pedalava à frente do grupo, o filho do meio, Alexandre, então com sete anos, caiu
num canal e, ao levantar-se, foi
abocanhado por um aligator.
Teixeira ouviu os gritos da filha
mais velha, abandonou a bicicleta
e, sem parar para pensar um segundo que fosse, pulou no canal,
agarrou a cabeça do bicho e conseguiu abrir sua boca.
"Quando vi o Alê atravessado
na boca daquele bicho, não tive
medo. Foi um reflexo: entrei no
canal e abri a boca dele", conta o
pai, que lembra ter sido informado pelos guardas do parque que a
mandíbula do aligator tinha cerca
de dois pés (66 centímetros) e que
esses répteis gigantes têm até sete
metros de comprimento. "Foi
uma sensação estranha. A realidade se misturou um pouco com a
fantasia. Parecia que o que estava
vendo era um filme de Spielberg."
Alexandre teve ferimentos na
barriga e no ombro. Passou dois
dias numa UTI e mais alguns
num hospital de Miami até ser liberado. "Embora incrível, espetacular e com uma tensão enorme,
foi um episódio bem pouco traumático, física e psicologicamente.
É uma história muito positiva",
avalia Teixeira, o pai herói de Alexandre, que hoje também responde ao apelido "Jaca", de jacaré.
"Ele foi um herói mesmo. Foi
uma situação muito fora do comum, impressionante, de filme
mesmo", admite Alexandre.
"Brincavam que, se fosse um pai
americano, ligaria para o 911. Mas
não acho que fui herói. Seria se tivesse salvo um estranho, mas salvar o filho é algo instintivo", diz
Teixeira, subestimando sua performance a la Indiana Jones.
Um leão por dia
Longe da ameaça de crocodilos
ou de cenas de ação dignas de
Hollywood, para o engenheiro
Décio Germano, 57, criar filhos é
"matar um leão por dia", mas heroísmo mesmo é conseguir encaminhá-los na vida. "No momento
em que você coloca um filho no
mundo, suas preocupações não
terminam nunca. E criá-los longe
das drogas, formá-los com valores e dar um caminho para suas
vidas é que é heróico", diz.
Mas Germano, hoje pai de duas
jovens, também teve seu dia de
herói cotidiano. Quando sua filha
mais velha, Priscila, tinha apenas
dois anos, Germano conseguiu
fisgá-la pelo pé quando a menina
já caía pela janela da casa do avô.
"Quando a vi caindo, me atirei.
Foi um susto!", lembra.
Para a professora do departamento de Psicologia Clínica da
USP Isabel Cristina Gomes, esse
tipo de reação é absolutamente
natural. "Situações não esperadas
despertam reações muitos fortes
que não são racionalizadas."
Mesa cirúrgica
Há, no entanto, casos de pais heróis que salvaram suas crias de sofrimentos crônicos sem explosões
de atitude, mas de maneira bastante premeditada. Foi esse o caso
do oftalmologista André Borba,
33. Seu filho, Gabriel, 1, nasceu
com uma obstrução congênita
das vias lacrimais -por coincidência ou não, a especialidade cirúrgica de seu pai. Aos seis meses,
Gabriel acordava sem conseguir
abrir os olhos e, apesar de haver
uma indicação de que não se faça
esse tipo de cirurgia antes dos oito
meses de idade, Borba arriscou.
"Decidi fazer a cirurgia eu mesmo. Tecnicamente foi tranqüilo, o
problema era a questão emocional", diz. "Na hora da anestesia, a
ficha caiu que era meu filho, mas
consegui não ficar nervoso. Estava feliz porque sabia que poderia
curá-lo com aquilo."
Foi na mesa de cirurgia também
que o aposentado Joko Henna, 62,
salvou a filha Patrícia, 32, em
2003, quando doou um de seus
rins para ela. Desde 1999, a artista
plástica Patrícia vivia em torno da
falência de seus rins: uma dieta
alimentar chata e rigorosa, remédios e processos de diálise que tomavam a maior parte do seu dia.
"Minha vida era em função da minha sobrevivência."
O pai era um doador possível, e
não vacilou diante do resultado
do teste de compatibilidade. "Fiquei me sentindo pai duas vezes.
Olha a minha cesária aqui", diz,
levantando a camisa para mostrar
a cicatriz do transplante. Agora,
segundo Henna, a relação com a
filha está muito mais próxima.
"Ela não quer desgrudar de
mim", brinca.
Patrícia concorda. "Eu era mais
distante, meio rebelde. Hoje, sou
supergrata. Mudei meus valores."
É de praxe que, no caso de doadores vivos, aquele que doa o órgão sinta mais dores que quem recebe. "Sabia que corria um risco,
mas o amor e o carinho que tenho
pela minha filha fizeram com que
eu nem medo sentisse."
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