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GILBERTO DIMENSTEIN
Universidade vira sonho da casa própria
Num misto de desânimo
com irritação, o ministro
Cristovam Buarque lamentava,
na semana passada, a onda de
pedidos de aposentadoria de professores das universidades federais, temerosos de perder direitos
com a futura reforma da Previdência. "Não temos saída", queixava-se. "A solução é manter um
salário extra para que o professor,
mesmo aposentado, continue
dando aulas."
A alternativa trágica, na visão
do ministro da Educação, é deixar que esses professores se mudem para faculdades privadas,
onde pouco se investe em pesquisa. Gastam-se recursos públicos
para a formação de um professor,
garantindo-lhe mestrado ou doutorado, muitas vezes no exterior,
além de cursos de aperfeiçoamento. Depois, quando estão no auge
de sua capacidade intelectual,
passam a trabalhar para uma faculdade privada.
A verdade é que os professores
universitários ganham mal, mesmo quando atingem o topo de
carreira e, não raro, enfrentam
rudimentares condições de ensino. Seria demais, vamos admitir,
exigir que eles não aproveitassem
a lei para garantir sua renda.
Mas também é verdade que esse
tipo de aposentadoria, precoce
em se considerando a plenitude
intelectual do professor, é mais
um dos aspectos da antiga rotina
de desperdícios nacionais.
Uma das novas tendências brasileiras é a demanda popular,
mesmo nas camadas mais pobres,
por vaga nas universidades, especialmente nas públicas, livres das
pesadas mensalidades. Emparelha-se, para centenas de milhares
de jovens de escolas públicas, ao
sonho da casa própria. Mas, pela
falta de recursos, essas instituições têm cada vez menos condições de abrir novas vagas e garantir a qualidade de ensino.
Como o Brasil convive simultaneamente com diferentes décadas
(ou mesmo séculos), enfrentam-se, lado a lado, a fome mais primitiva, africana, o trabalho escravo e infantil e a pressão dos
milhões de estudantes de escolas
públicas que correm atrás de um
diploma de faculdade, exigido
por uma sociedade com forte impacto tecnológico.
Sinais desse movimento são algumas inovações que serão lançadas ainda neste semestre em São
Paulo -e compõem o novo perfil
do Brasil. A prefeitura decidiu
fortalecer os cursinhos pré-vestibulares gratuitos e garantir bolsas
nos que são pagos. É algo que, até
há pouco tempo, ninguém poderia imaginar como papel de uma
prefeitura, encarregada, pela lei,
do ensino fundamental. Percebeu-se que, sem determinado tipo
de habilitação e formação escolar, o jovem, mesmo de classe média baixa, entra no círculo da
marginalidade.
Muitas empresas estão exigindo
diploma de ensino médio de trabalhadores para executarem atividades que, no passado, ficavam
nas mãos de analfabetos ou de semi-analfabetos. Indústrias mais
sofisticadas preferem operários
com cursos universitários.
Feito o cursinho, o jovem entra
numa faculdade privada e se depara com o obstáculo da mensalidade. Não tem condições de bancar um crédito educativo, com
seus pesados juros. Esse obstáculo
é o que motiva uma experiência
que se inicia neste semestre em
São Paulo, desenvolvida pela Secretaria Estadual da Educação,
com o apoio da Unesco e do Unicef: a bolsa-universidade.
Na primeira etapa, serão concedidas 25 mil bolsas a alunos que
entrarem em faculdades privadas; o governo paga a metade da
mensalidade e a faculdade assume o restante. É obrigatória (e aí
está o lado mais interessante do
projeto) uma contrapartida: para
fazer jus à bolsa, o beneficiado terá de prestar serviços em escolas
públicas, dando reforço escolar.
Em Goiás, já existe uma experiência semelhante, mas a contrapartida é serviço comunitário.
Caso bem executado (o que, em
se tratando de setor público, é
sempre, na melhor das hipóteses,
incógnita), o projeto ataca duas
frentes: melhora a qualificação de
nossa mão-de-obra e eleva o nível
da educação pública.
Quando há sonhos populares,
há o risco de demagogia. A idéia
de cota universitária para os negros e os mais pobres, como no
Rio de Janeiro, é até justificável.
Mas começou improvisadamente,
gerando grande resistência. Não
se montou um programa de recuperação dos alunos que entraram
na faculdade graças às cotas e que
exibem falhas em sua formação.
O caminho mais inteligente é
abrir mais vagas nas universidades públicas, em especial nos cursos noturnos; no entanto, muitas
vezes, elas não conseguem, como
demonstra a desolação do ministro Cristovam, nem manter seus
professores.
Pelo jeito, estamos repetindo o
que já aconteceu com a escola pública, onde, por muito tempo, se
ensinava a elite. Quando os mais
pobres quiseram entrar em maior
quantidade, já não havia mais
dinheiro -e os mais ricos passaram a estudar nas escolas particulares. O que está em jogo no sonho da universidade é, em poucas
palavras, o novo limite da marginalidade.
PS- Entende-se, em parte, a miséria brasileira, por uma pesquisa
divulgada pelo IBGE na semana
passada, que revela mais um desses absurdos sociais. Entre as mulheres mais pobres, as que menos
têm condições de manter filhos, a
taxa de fecundidade é africana. E,
entre as mais ricas, a taxa é de
Primeiro Mundo. A campanha
contra a fome deveria incluir, entre seus projetos, maior alcance
do planejamento familiar.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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