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EDUCAÇÃO
Professores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas chegam a lecionar em salas com 200 estudantes
Superlotação afeta qualidade do ensino
DA REPORTAGEM LOCAL
Início dos anos 80. Em uma sala
da FFLCH, 40 estudantes assistem
a uma aula de literatura brasileira.
O professor Alfredo Bosi lê, pausadamente e em tom baixo, trechos de grandes clássicos de Machado de Assis. Depois da aula,
um grupo de estudantes permanece na sala e, junto do professor,
analisa "A Divina Comédia", de
Dante Alighieri (1265-1321).
Maio de 2002. O professor Augusto Massi, 42, que foi aluno de
Bosi, inicia mais uma aula, com 20
minutos de atraso. É o tempo que
a platéia de 200 alunos leva para se
acomodar em uma sala sem ventilação ou cadeiras em quantidade
suficiente para todos. Sem microfone, Massi "berra" um poema.
Termina a aula afônico.
As diferenças entre a época em
que frequentou a FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) como aluno e
atualmente, como mestre, não
param por aí. Massi diz que, em
vez de aula, acaba dando uma
"conferência". "Descontando todos os problemas de infra-estrutura de uma sala superlotada e as
perguntas dos alunos, sobram
uns 20 minutos de aula. Dá para
tratar "Macunaíma" [de Mário de
Andrade" em 20 minutos?"
Nos bons tempos em que lecionava para grupos de 50 alunos,
Massi diz que costumava levá-los
a exposições de artes plásticas e a
filmes sobre o modernismo. "Naquela época dava para dar uma
assessoria individual."
Apesar de continuar dando
plantões, em que tira as dúvidas
dos estudantes e os orienta na leitura de textos, Massi diz ser impossível acompanhar de perto os
200 alunos. Segundo ele, a situação na FFLCH começou a piorar
nos últimos cinco anos, mas há
dois se tornou "insustentável".
A deterioração das condições de
ensino levou os 12.327 alunos da
"fefeleche", como a faculdade é
chamada na USP, a entrar em greve há 40 dias. A paralisação envolve os cursos de geografia, história,
letras, ciências sociais e filosofia.
O número de alunos corresponde
a 20% dos estudantes da USP.
Em documento divulgado na
última sexta-feira, o diretor da faculdade, professor Francis Henrik
Aubert, declarou seu apoio à paralisação. "É o mais massivo, participativo e criativo movimento
estudantil das duas últimas décadas", afirmou. O discurso de Aubert vai na direção oposta do feito
pelo vice-reitor da universidade,
professor Hélio Nogueira da
Cruz. Em entrevista à Folha na última sexta-feira, no campus da Cidade Universitária (zona oeste de
São Paulo), Cruz disse faltar planejamento aos departamentos sobre como apresentar suas reivindicações à reitoria (leia entrevista
nesta página).
A greve, segundo ele, "está perdendo seu caráter reivindicatório
e assumindo uma clara conotação
política". Lideranças estudantis
ouvidas pela Folha se queixam de
que a reitoria não estaria "levando
o movimento a sério".
O vice-reitor recebeu um documento da comissão de representantes dos grevistas, formada por
alunos e integrantes de centros
acadêmicos da FFLCH e do DCE
(Diretório Central de Estudantes)
da USP, e prometeu submetê-lo à
reunião da Comissão de Claros
Docentes, marcada para a próxima terça-feira. A comissão é responsável pela gestão dos recursos
da universidade.
Para Massi, no caso específico
do curso de letras, o problema seria falta de planejamento da reitoria. Ao mesmo tempo em que foram criadas novas vagas, o espaço
físico não foi ampliado. Além disso, mais de 300 professores se
aposentaram e apenas metade
das vagas foi preenchida.
Ele afirma que cursos de grego,
latim e tupi, por exemplo, correm
o risco de extinção por falta de
professores especializados. "A situação é de extrema gravidade e
os alunos perceberam. Não é um
movimento politizado do ponto
de vista partidário", afirma. Massi
diz permanecer na USP por "convicção intelectual".
Nicolau Sevcenko, professor de
história da cultura na FFLCH há
quase 20 anos, pensa como Massi.
Para ele, a unidade vive hoje um
total desprestígio e reflete uma inversão do sentido da universidade. "Historicamente, a FFLCH
sempre foi um elemento de reflexão crítica e de articulação entre a
sociedade e a universidade."
Na opinião de Sevcenko, é clara
a ênfase dada pelos gestores à produção científica-tecnológica em
detrimento das humanidades. Para o historiador, essa crise não
provoca perdas apenas para a
FFLCH, mas à USP e à sociedade
de uma forma geral. Ele define como "subumanas" as condições
em que os professores da unidade
lecionam e em que os alunos assistem as aulas.
"É uma massa compacta em um
ambiente apertado e sem ventilação. Não conheço mais os meus
alunos. Não sei quais são as necessidades de cada um. Assisto a isso
tudo tristemente, melancolicamente", afirma.
(CLÁUDIA COLLUCCI e FÁBIO PORTO SILVA)
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