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SAÚDE
Médicos afirmam ser inútil pagar pela preservação do sangue do cordão umbilical para tratar leucemia
Banco privado de célula-tronco é "ilusão"
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
É praticamente inútil pagar pelo
congelamento do sangue do cordão umbilical do bebê, material
rico em células-tronco. No tratamento da leucemia -principal
utilização hoje do transplante de
células de cordão-, é mais eficaz
usar células compatíveis, disponíveis em bancos públicos de sangue de cordão umbilical, do que
da própria criança.
A afirmação é de médicos e geneticistas que classificam como
"venda de ilusão" a oferta de serviços privados de congelamento
de sangue de cordão umbilical.
Há pelo menos sete bancos no
país, que atendem as principais
maternidades particulares. Cobram preços que vão de R$ 3.000 a
R$ 4.000, mais uma taxa anual de
manutenção de cerca de R$ 500.
Esses serviços proliferaram nos
EUA, onde existem mais de 40
bancos privados de cordão. Na
Europa, porém, há um consenso
entre os especialistas de que não
existem vantagens no congelamento "privado" do sangue do
cordão umbilical.
Nos últimos anos, o investimento tem sido na organização de
uma rede mundial pública, que
hoje reúne 180 mil cordões umbilicais. O Brasil criou em setembro
sua rede nacional e pretende se
unir à mundial no próximo ano.
Os especialistas apontam pelo
menos cinco razões que desencorajariam o ato de pagar pelo congelamento do sangue do cordão
umbilical do bebê:
(1) a incidência da leucemia é
pouco freqüente: dos zero aos 20
anos, as chances são de um a cada
grupo de 20 mil pessoas;
(2) a maioria das leucemias é
provocada por um defeito genético presente em todas as células do
corpo -inclusive nas células-tronco-, segundo a geneticista
Mayana Zatz, da USP;
(3) pesquisas demonstram que
o organismo reage muito melhor
ao transplante de células-tronco
compatíveis, recebidas de uma
outra pessoa. Há relatados pelo
menos 4.000 transplantes alogênicos (com sangue do cordão umbilical de outro bebê) contra cinco
autólogos (do próprio bebê), de
acordo com o médico Carlos Alberto Moreira Filho, diretor do
Instituto de Ensino e Pesquisa do
Hospital Israelita Albert Einstein
(São Paulo) e professor do departamento de imunologia da USP;
(5) 60% dos cordões não têm a
quantidade de células-tronco suficiente para um transplante. E,
em geral, as células retiradas de
um único embrião só beneficiam
pessoas com, no máximo, 60 kg.
O hematologista Nelson Tatsui,
diretor técnico do banco de cordão umbilical Criogênesis, de São
Paulo, concorda que o uso do sangue do cordão umbilical no próprio bebê, para tratamento de leucemias e outras doenças do sangue, seja "raríssimo", mas acredita que, em razão da plasticidade
das células-tronco -capazes de
se transformar em vários tipos de
tecido- vale a pena congelá-las.
Sobre o defeito genético presentes nas células da criança que desenvolve leucemia, Tatsui acredita que, devido aos avanços científicos, no futuro haverá uma forma
de corrigir essa falha. Da mesma
forma, afirma ele, o número de
células-tronco, no futuro, poderá
ser aumentado por meio do cultivo em laboratório.
Na sua opinião, pessoas que vierem a precisar de um transplante
de células-tronco terão dificuldades de encontrar material compatível nos bancos públicos. Para
ele, 12 mil amostras -meta da rede nacional que reúne os bancos
públicos- são insuficientes para
cobrir a diversidade genética da
população brasileira. "Será uma
probabilidade matemática."
Moreira Filho, do Albert Einstein, discorda. De acordo com ele,
12 mil bolsas de sangue de cordão
são suficientes. "A rede mundial
de bancos públicos trabalha com
excesso de oferta. Há vários cordões compatíveis para o mesmo
indivíduo", diz.
Tatsui também defende que o
sangue do cordão guardado nos
bancos privados pode ajudar,
além da criança, pessoas da família. Ele diz que há 200 transplantes
no mundo em que irmãos utilizaram as células-tronco do cordão
umbilical de outro irmão, que estavam congeladas em bancos privados. "Elas não servem só para o
bebê", argumenta.
Para o ginecologista e obstetra
Marcelo Zugaib, do Hospital das
Clínicas de São Paulo, o ideal é
que os pais dêem crédito ao banco
público, que precisa de uma grande amostragem para se tornar efetivo. "Além de não arcar com os
custos da coleta e da manutenção,
eles poderão recorrer ao banco
em uma eventual necessidade."
Outra preocupação que os pais
devem ter, na opinião do médico,
é com a idoneidade da empresa
privada que armazenará os cordões. "Como garantir que esse
material vai permanecer intacto e
viável o resto da vida?", questiona.
O também ginecologista e obstetra Arnaldo Cambiagi não tem
dúvidas de que guardar o sangue
do cordão umbilical do bebê é um
investimento que vale a pena. "As
aplicações das células-tronco são
promissoras. Eu aconselho as pacientes a fazer a coleta."
A psicóloga Tatiana Grinfeld,
26, recebeu há um ano um transplante de células-tronco de cordão umbilical quando houve recidiva de leucemia. Ela teve a doença diagnosticada aos 19 anos, fez
quimio e radioterapia, mas a
doença reapareceu ano passado.
Como não havia células de medula óssea compatíveis no Brasil,
ela recorreu a um banco de cordão umbilical em Nova York. O
transplante foi feito no hospital
Albert Einstein com sucesso. "Espero que tenha sido um tratamento definitivo", diz ela, que
agora tenta fortalecer o organismo, ainda fragilizado com tantas
sessões de quimio e radioterapia.
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