São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN Decifra-me ou te mato
A presentada na última
sexta-feira pela polícia como
uma das autoras do assassinato
de seus pais, ocorrido no mês passado, em São Paulo, Suzane Richthofen, de 19 anos, tem muito a
ensinar sobre a atual geração de
jovens de classe média. Há tempos, educadores e psicólogos têm alertado sobre a crescente dificuldade de impor limites em sala de aula, sobre a arrogância dos alunos que descamba para o desrespeito, sobre o consumo excessivo de drogas, principalmente álcool, e sobre uma atitude de descaso, do tipo "tanto faz". Virou tema rotineiro nos seminários de educação o prejuízo causado nas crianças e adolescentes por uma sociedade que reverencia o consumo e, ao mesmo tempo, por pais que não enfrentam a frustração dos filhos. Esse tipo de pai ou de mãe ganhou o apelido de "adultescente", a mistura do adulto com o adolescente. "Estamos presenciando uma geração de pais que não consegue impor limites e, pior, faz de tudo para que os filhos nunca se frustrem. As crianças ficam ainda mais vulneráveis à dor", comenta Rosely Sayão, educadora e psicóloga, convencida de que Suzane é o caso extremado e doentio da intolerância de administrar limites e frustração. Tempos atrás, Suzane possivelmente teria transformado a inconformidade em fuga de casa. Iria morar sozinha, assumindo uma postura adulta. Estaria sujeita às mais diversas privações materiais, mas experimentaria uma aventura enriquecedora. Teria sempre a deliciosa lembrança de um delírio apaixonado. "O curioso é que ela age como uma adolescente indefesa quando demonstra necessitar da aprovação dos pais, mas age como uma adulta ao planejar um assassinato", analisa. Conhecido por criticar a "adultescência", o psiquiatra Içami Tiba costuma receber em seu consultório casais aflitos com a agitação e a indisciplina dos filhos, quase donos da casa, mandando e desmandando. "Um dia eu perguntei a uma mãe qual era a idade do filho que tanto a tiranizava. Ela me disse que ele tinha três anos. E eu lhe disse, então, que seria melhor que deixasse o filho sossegado e fosse, ela própria, procurar tratamento." A busca da satisfação imediata estimula a impulsividade e a hiperatividade. Basta ver a relação dos adolescentes com os meios de comunicação, conforme detectou recentemente uma pesquisa da MTV sobre o que chamou de "geração zap". "Zap" vem de ficar "zapeando". Com o controle remoto, trocam-se, sem parar, os canais da televisão. Submetem-se ao mesmo tempo a todos os estímulos. Não conseguem assistir a um mesmo programa por muito tempo -o rádio está ligado, a internet acionada, folheia-se uma revista ou fala-se ao telefone. A dificuldade de ler livros está associada, de um lado, à escola, que não sabe encantar pelas palavras, mas, de outro, à dificuldade de parar quieto e focado num só tema. Vivemos numa sociedade que reverencia a velocidade -o reinado do tempo real-, o efêmero tecnológico, o corpo (as modelos são chamadas a dar opiniões sobre qualquer coisa), o desempenho, o sucesso individual, a moda. O valor das pessoas está muito mais no ter e, principalmente, no aparentar do que no ser. Nada disso foi criado agora. São atitudes que acompanham a humanidade: o filho apaixonado que mata o pai aparece desde a Grécia antiga (daí surgiu o tal "decifra-me ou devoro-te"). Mas, certamente, o culto do desempenho, da aparência e do consumo está mais extremado numa sociedade que parece ter extirpado as utopias, trocando-as pelo narcisismo coletivo -justamente isso provoca o extremo de uma jovem arquitetar, "por amor", a morte dos pais. P.S.- Por falar em maturidade, Lula deu um sinal positivo na semana passada, durante o encontro com empresários, sindicalistas e representantes de entidades não-governamentais, mostrando-se disposto a mudar a óbvia asneira de sair por aí distribuindo alimentos. É uma política assistencialista, fonte de desperdícios e típico exemplo de imaturidade em política pública. E-mail - gdimen@uol.com.br Texto Anterior: Vestibular: Quatro exames serão aplicados hoje em SP Próximo Texto: Panorâmica - Patrimônio: Escolas do interior de SP são tombadas Índice |
|