|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VIDA EM FAMÍLIA
Pais dizem que castigo físico serve para "impor limites" a crianças; prática é proibida em alguns países
Campanha busca abolir palmada "pedagógica"
KATIA CALSAVARA
DA REDAÇÃO
Olho de criança brilha só de ouvir a palavra férias. Hora de ficar,
em tese, mais livre das obrigações
e horários. Sobra tempo para bolar aquele plano secreto, mexer no
estojo de maquiagem da mãe, enfiar o dedo na tomada, correr
dentro de casa, até levar um "sossega leão". Estressados, alguns
pais recorrem aos famosos "tapinhas" nos filhos.
A imposição de castigos físicos
como forma de disciplinar os filhos é alvo de polêmica em todo o
mundo. Na semana passada, a
Câmara dos Lordes, no Reino
Unido, aprovou um projeto de lei
que coíbe agressões físicas a
crianças. Mas, após intenso debate as palmadas moderadas foram
consideradas "aceitáveis", desde
que não prejudiquem física ou
mentalmente as crianças e os adolescentes. Em países como Noruega, Alemanha, Suécia, Finlândia e
Dinamarca, entre outros, as palmadas são totalmente proibidas
por lei.
No Brasil, há grupos que considera até o mais leve "tapinha" como agressão física. É o caso do Lacri (Laboratório de Estudos da
Criança do Instituto de Psicologia
da USP). "Não existe palmada
light. De qualquer forma, bater é
um desrespeito à criança. Se batemos em adulto é agressão, em cachorro, crueldade, em criança é
educação?", diz Maria Amélia
Azevedo, psicóloga e fundadora
do Lacri, citando o lema do grupo.
É deles a campanha, ainda pouco conhecida, "Crescer sem Palmada", que atua na abolição da
punição corporal. Todos os anos,
desde 1996, pesquisadores do instituto coletam dados de violência
física, sexual e psicológica, além
de casos de negligência, em delegacias e conselhos tutelares dos
Estados brasileiros. Em 2003, foram notificados 6.497 casos de
violência física, 2.952 de violência
psicológica e 2.599 de violência
sexual.
"Bater é o reconhecimento de
não saber impor limites aos filhos", diz Lauro Monteiro Filho,
pediatra e fundador da Abrapia
(Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à
Adolescência). Ele compara a força física e o tamanho dos adultos
em relação às crianças para justificar a falta de "cabimento" de uma
punição corporal.
Estatuto
Na legislação brasileira, a palmada não está categorizada no
Código Penal. "Os casos de tapas
moderados dificilmente chegam
ao Poder Judiciário. A cultura do
"não às palmadas" começa com o
ECA [Estatuto da Criança e do
Adolescente], em 1990", diz Lara
Rosa Vignoto, advogada e assessora jurídica da Abrapia.
De acordo com o artigo 5º do
ECA, nenhuma criança ou adolescente pode ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
Quem ouve choros freqüentes
de criança na vizinhança ou desconfia de que alguma é agredida
por seus pais ou responsáveis tem
a obrigação de comunicar os
maus tratos a um conselho tutelar, segundo estabelece o ECA.
"Para mim, castigo não adianta.
Quando perco a paciência, bater é
um recurso que utilizo. Com o
chinelo ou com a mão, bato nos
meus filhos sempre no bumbum", diz Sandra Singh Gedam,
37, mãe de Natália, 10, Rodrigo, 6,
e Beatriz, 4. O marido, Almir de
Siqueira Gedam, 37, concorda.
"Uma bela palmada no momento
certo é um bom remédio. Serve
para impor limites. Mas eles sempre sabem o motivo pelo qual estão apanhando", diz. O casal conta que quem apanha com mais
freqüência é a mais nova.
Lena Wild, 45, também salpica
umas palmadas no filho Uirá de
Sá Ozetti, 12, mas critica a prática
dos castigos físicos. "Ter autoridade é saber passar a informação
para o filho com segurança e precisão. Eu procuro evitar ao máximo. Apanhava muito quando era
pequena", conta.
O filho de Lena diz entender
quando leva uns tapas. "Fico nervoso na hora, um pouco chateado
até, mas depois compreendo que
eu merecia."
"Depois que bato, me sinto a
pior mãe do mundo", fala Heloísa
Furtado Tunes, 25, mãe de Pedro,
5. Para ela, as palmadas não auxiliam na educação, mas também
são o escape para os momentos de
falta de paciência dos pais.
Os irmãos Lucas, 10, e Leonardo
Sevilhano, 10, contam que nunca
levaram um tapa. "Eu acho completamente errado bater nos filhos porque eles não aprendem e
são machucados de bobeira.
Quando eu for pai, vou colocar
meus filhos de castigo. Quando
faço alguma arte, meus pais conversam e me mandam pensar lá
no quarto", conta Lucas.
A paisagista Sandra Figueira, 47,
nunca bateu no filho Felipe, 12.
"Eu acho o ato de bater muito estressante. Não resulta em nada
positivo, nem para a mãe, nem
para os filhos", fala.
Mauro Renato Elme, 46, pai de
Artur, 11, diz que os tapas ficam
cada vez menos freqüentes quando os filhos vão crescendo. "Eu
costumava dar mais tapas quando ele era menor. Acho que, na
idade dele, receber um tapa ganha
outro significado", diz.
"Eu dou palmadas. Acho que é
um jeito de fazer a criança se sentir humilhada, ficar triste e pensar
no que fez. Bato com a mão, nunca com chinelo. A sensação de bater é horrível. A mão fica vermelha, dói. Eu sinto que a dor é recíproca. É um ato doloroso para a
mãe, mas acontece quando o sangue ferve", diz Ana Térsia Ferreira, 40, mãe de Pedro, 10, e Paula, 4.
Rodrigo Berel Caropreso, 11, diz
que já chegou a ter raiva da mãe
depois de apanhar. "Depois de levar uns tapas, já pensei em me
afastar dela, pensei em ir morar
para bem longe quando ficar
adulto. Mas depois isso passa e
percebo que é bobeira", diz.
A irmã dele, Júlia, 9, concorda.
"Fico achando a minha mãe chata
depois que ela me bate. Acho que
a palmada não resolve. Meu pai
não bate", diz a menina, aos risos.
Texto Anterior: Mortes Próximo Texto: "Pais devem tentar negociar com os filhos" Índice
|