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ESTRANHOS NO PARAÍSO
Menina foi usada como "garantia" por quadrilha mexicana que ajudou brasileira a entrar nos EUA
Imigrante ilegal deixa filha como refém
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
Uma menina brasileira de dois
anos foi mantida como refém por
pelo menos três dias no lado mexicano da fronteira com os Estados Unidos. O resgate seria a segunda parte do pagamento que
uma quadrilha especializada em
colocar imigrantes ilegais no país
estava cobrando de sua mãe.
A Patrulha da Fronteira de Yuma, no Arizona, descobriu o caso
ao parar para interrogar os ocupantes do carro que levava a paulistana de 32 anos, cujo nome não
foi revelado, e sua filha mais velha, de 9 anos, conforme revelaram à Folha oficiais da policia.
"Ela começou a gaguejar em
português e acabou dizendo que
uma quadrilha de mexicanos estava com sua filha mais nova num
hotel na região de Mexicali [cidade mexicana na fronteira" e esperava ela depositar mais US$ 4 mil,
além dos US$ 6 mil já pagos, para
libertar a menina", disse à Folha
Michael McGlasson, da Patrulha
da Fronteira de Yuma.
Em colaboração com as autoridades mexicanas, agentes da força de San Diego, na Califórnia,
que patrulham a divisa de toda a
região, conseguiram libertar a
criança, que está agora sob custódia do Estado. Até a conclusão
desta edição, mãe e filha mais velha estavam presas, acusadas de
tentar entrar ilegalmente no país.
A fiança de cada uma delas é de
US$ 10 mil. O pai das meninas,
também brasileiro e trabalhando
em Boston (Massachusetts), cidade que era o destino das três, ainda não contratou advogado para
o caso. Ele pediu que as autoridades não divulgassem os nomes de
ninguém da família e se recusa a
falar com a imprensa.
Nos últimos dias, a Folha tentou
por várias vezes, sem sucesso, falar com a pessoa responsável pelo
caso no Consulado Brasileiro em
San Francisco, que responde pela
região de Yuma.
À polícia de San Diego, Adriana
Coogan, do consulado em Los
Angeles, disse que os esforços da
diplomacia eram para libertar a
menina de dois anos. "Imagine
uma criança nas mãos de pessoas
estranhas. Não sabíamos o que
eles poderiam fazer", afirmou.
Brasileiros e sequestros
O crime envolvendo as três brasileiras confirma duas tendências
que a Patrulha da Fronteira de
San Diego vem registrando desde
o final do ano passado: 1) os brasileiros estão entre as principais nacionalidades de imigrantes ilegais
latinos presos na região, só perdendo no ano passado para os iraquianos e, claro, os mexicanos; 2)
as quadrilhas que vendem acesso
ilegal aos EUA para imigrantes,
na maior parte das vezes comandadas por mexicanos, estão utilizando cada vez mais o recurso de
sequestrar alguém da família como maneira de garantir o resto do
pagamento das pessoas que contratam seus serviços.
"Geralmente eles pegam como
refém o membro mais novo do
grupo, não importa a idade", disse à Folha Lauren Mack, do Departamento de Imigração de San
Diego. "Este é enviado no próximo grupo, assim que o pagamento cai na conta deles."
A região é a mais movimentada
da extensa fronteira dos EUA com
o México. São mais de 200 quilômetros, que englobam os condados de San Diego, Tijuana e Imperial e abarcam os Estados da Califórnia e do Arizona.
No ano passado, 50 mil imigrantes ilegais foram presos tentando entrar. Destes, 96% são mexicanos. Dos outros países, o Brasil aparece em segundo lugar,
com 131 presos. "Trabalho há 16
anos na fronteira e nunca vi tanto
brasileiro querendo passar para o
lado de cá", disse Michael
McGlasson, de Yuma.
Entre as cinco nacionalidades
que tiveram mais imigrantes presos pela Patrulha da Fronteira de
San Diego em 2001 e até abril de
2002, a brasileira é a única da
América do Sul. Em anos anteriores, os casos eram tão esporádicos
que o país nem sequer aparecia
nas estatísticas oficiais.
Segundo o agente, o pacote cobrado pelas quadrilhas, que custa
geralmente US$ 10 mil mas pode
chegar a US$ 16 mil, começa com
a passagem de avião, em vôos que
saem de grandes cidades como
São Paulo e Rio de Janeiro.
O primeiro destino é a Cidade
do México. De lá, o imigrante ilegal vai de ônibus para uma das cidades da fronteira, preferencialmente na região de Mexicali. Então, aguarda o melhor dia para
entrar ilegalmente nos EUA.
Dependendo do valor pago, pode ser com documentos falsos
(mais caro) ou escondido em caminhões, ônibus e vans (mais barato), muitas vezes em condições
subumanas.
"São pessoas perigosíssimas,
que não hesitam um segundo em
deixar o imigrante abandonado
no meio do deserto, se sentirem
que há algo errado no ar", disse
McGlasson.
Língua portuguesa
O aumento no número de casos
envolvendo brasileiros fez com
que o Serviço de Inteligência da
Patrulha da Fronteira contratasse
um agente cuja principal qualidade é falar português, o único da
força por enquanto, que é cada
vez mais requisitado.
"Seu nome e nacionalidade são
mantidos em sigilo, já que ele é
utilizado em missões secretas que
frequentemente envolvem ida ao
México e envolvimento com
membros das quadrilhas", disse
Lauren Mack, do Departamento
de Imigração.
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