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GILBERTO DIMENSTEIN
Minha cidade, meu país
Graças a uma confissão de
incompetência ocorrida na
quarta-feira passada, foi posta
em xeque a ilusão de que um presidente da República consegue
coordenar e executar políticas sociais eficientes.
O responsável pela confissão, o
ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, admitiu:
não tinha condições de saber se as
famílias que recebem dinheiro do
governo mantêm seus filhos nas
escolas. Apanhou de todos os lados, inclusive do governo. Na verdade, apanhou menos por incompetência do que por honestidade
intelectual.
Importante mesmo é que a confissão projetou um dos temas que
deveriam ser vitais nas eleições
municipais, em particular, e no
combate à exclusão, em geral.
Veja os números: são 15 milhões
de crianças em 5.463 municípios
matriculadas em 170 mil escolas
públicas. Um punhado de funcionários, metidos em algumas salas
refrigeradas da Esplanada dos
Ministérios, são obrigados legalmente a saber quantas daquelas
crianças, do interior do Acre à periferia do Rio, estão cabulando
aula, afinal suas famílias, todas
pobres, recebem dinheiro para
que freqüentem a escola.
A mistura desses números -15
milhões de crianças, 5.463 cidades
e 170 mil escolas- é a informação que basta para perceber que o
controle federal é simplesmente
impossível. Até porque aqueles
fiscais de Brasília também deveriam saber se as centenas de mulheres grávidas fazem exames
pré-natal ou se as mães levam regularmente os filhos a postos
de saúde.
O ministro Ananias expôs o risco de que os programas de renda
mínima percam o conteúdo educativo ou de saúde e se convertam
em simples ação assistencialista.
Assim, o PT não só estaria deixando de inovar em políticas sociais como estaria voltando para
trás. Lembre-se de que a bolsa-escola é, em larga medida, invenção
do próprio PT, posteriormente
apoiada por todos os partidos e
pelos mais diferentes governos.
Na quinta-feira, o presidente
Lula tentou manter a ilusão e deu
ordens para que o governo federal
acompanhasse os tais 15 milhões
de crianças das 170 mil escolas
públicas espalhadas por 5.463 cidades. Não vai dar certo.
Existe uma questão cultural, da
qual a própria imprensa é vítima.
Estamos acostumados a sobrevalorizar a capacidade de ação de
Brasília. Espera-se do presidente
a condução de políticas para melhorar a educação, a saúde, o ambiente -e por aí vai.
Basta ver o espaço que Brasília
ocupa nos noticiários em comparação com a cobertura sobre soluções desenvolvidas nas comunidades. É um vício adquirido pelo
papel dos governos federais desde
a nossa descoberta pelos portugueses. Um vício reforçado por
Lula, montado na bandeira da
redenção social.
Os programas funcionam melhor (ou só funcionam) nas cidades em que existem bons prefeitos
e fiscalização comunitária. É ali
que se vêem melhores escolas,
postos de saúde mais decentes e
menos desperdícios na transferência de recursos.
Conhecem-se casos e mais casos
de municípios pobres, no interior
do Nordeste, em que nenhuma
criança está fora da escola. E
mais: a mortalidade infantil cai
sem parar.
Modelos de sucesso indicam a
seguinte receita: o governo federal
é mais eficaz quando articula ou
induz. O papel central, decisivo, é
dos prefeitos, que, fiscalizados e
orientados pelos mais diferentes
conselhos da sociedade civil, coordenam o dinheiro que vem da
União e do Estado.
Dependemos mais daqueles que
estamos elegendo neste ano do
que dos que vamos eleger para
presidente e governador em 2006.
Ou seja, cada cidade é como se
fosse um país, cada prefeito, um
presidente -numa valorização
do local no mundo globalizado.
Na prática, em vez de ficar teimando em manter o controle do
Bolsa-Família em Brasília, por
exemplo, o governo já deveria ter
apressado a transferência de controle para os municípios e passado a fiscalizar por amostragem.
Será que alguém imagina que
um punhado de burocratas em
Brasília possam ser mais eficientes do que 5.463 "presidentes"?
PS - Na semana passada, a sucessão presidencial foi, pela primeira vez, um debate aberto, trazido por Marta Suplicy. Reação
compreensível por causa da pesquisa Datafolha publicada hoje,
em que ela aparece, no segundo
turno, ainda distante de Serra. As
direções do PSDB e do PT vêem a
eleição da cidade de São Paulo
como um trampolim para Brasília. Na linha "minha cidade, meu
país", o eleitor, porém, age com
mais pragmatismo e visão de futuro: está mais preocupado em
conhecer as melhores propostas
para a cidade. Repito: ainda está
faltando um candidato para
quem a Prefeitura de São Paulo
seja, para valer, fim, e não meio.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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