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ENTREVISTA
Tese mostra que questão racial aumenta exposição a efeitos da Aids
Negra é mais "vulnerável", diz bióloga
DA REPORTAGEM LOCAL
Autora de uma tese de doutorado que compara a situação de
mulheres negras e não-negras
com Aids, a bióloga Fernanda Lopes, 29, afirma que o acompanhamento médico tem de levar em
conta a questão racial. "A uniformidade [de tratamento dos grupos] significa a desigualdade."
Em um trabalho que durou seis
meses, Lopes ouviu 1.068 mulheres contaminadas com o vírus
HIV, atendidas por três serviços
públicos de referência no Estado.
Os grupos foram divididos em
542 negras e 526 não-negras.
De acordo com ela, a combinação de fatores sociais -como escolaridade e renda mais baixas-
com a questão racial torna as mulheres negras mais expostas aos
efeitos da doença.
Para Lopes, os serviços de tratamento da doença não podem ignorar que elas são integrantes de
"um grupo que historicamente é
excluído e acumulou desvantagens". Leia a seguir a entrevista.
Folha - Sua tese de doutorado diz
que as mulheres negras estão mais
"vulneráveis". Como isso se traduz
na vida delas?
Fernanda Lopes - Você pode falar que uma pessoa é vulnerável
quando ela tem um conjunto de
situações que aumentam a sua
possibilidade de adoecimento.
Ou, ao mesmo tempo, essa pessoa
tem consciência do problema,
mas não tem possibilidades de
elaborar estratégias de enfrentar
esse problema ou de manter as já
elaboradas. A dificuldade de comunicação, a dificuldade de decidir, de tomar a iniciativa por métodos protetores, seja no uso de
drogas injetáveis, seja na relação
social. As mulheres negras estão
mais sujeitas a essas situações de
desvantagem.
Folha - A escolaridade e a renda
mais baixas são cruciais para explicar as diferenças?
Lopes - São importantes, mas
não suficientes.
Folha - O que mais explica essa
vulnerabilidade então?
Lopes - A dificuldade e a falta de
informação precisa e adequada.
Também contribui a impossibilidade de discutir métodos protetores e de implementar na sua vida.
Em famílias grandes, as mulheres normalmente assumem um
cuidado com o outro que é prioritário, e o cuidado com si próprias
é secundário. Para as mulheres
negras, isso ficou muito mais
marcado que para as não-negras,
que também vivem essas situações. A pobreza determina a vulnerabilidade, mas ela sozinha não
é suficiente para explicar isso porque a vulnerabilidade se constrói
nas relações.
Folha - O tratamento desses serviços de saúde é diferente em relação a negras e a não-negras ou a falha está justamente no fato de ser
igual com todas elas?
Lopes - A uniformidade é a injustiça. É importante para os programas de saúde que a questão racial seja dimensionada e que essas
mulheres sejam vistas como integrantes de um grupo que historicamente é excluído e acumulou
desvantagens. Nesse momento
em que estão se servindo daquele
equipamento social, elas não vão
deixar de ser aquilo que elas foram na história.
O risco de reinfecção ou de
adoecimento por Aids é posterior
à vulnerabilidade a que essas mulheres estiveram submetidas em
vários períodos da sua vida.
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