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"Culpa do outro" causa ira em motoristas
Lentidão, semáforos demorados, buzinas, carros colados na traseira e fechadas são motivo de descontrole no trânsito
"Poder" que o carro oferece permite extravasar emoções, afirma psiquiatra; presença de transtorno compulsivo pode causar situação de violência
DA REPORTAGEM LOCAL
Nem só de transtornos de
impulso sobrevive a raiva no
trânsito em metrópoles como
São Paulo. Para especialistas
ouvidos pela Folha, há uma série de situações que causam o
descontrole que pode culminar
em agressão, sempre vistas como culpa alheia: lentidão por
"excesso de veículos" ou semáforos de tempo longo; obras em
vias públicas ou blitze; xingamentos, buzinas, fechadas; carros colados nas traseiras ou até
mesmo outros caindo aos pedaços -tudo traz estresse e,
conseqüentemente, raiva.
"E o carro dá poder e permite
o extravasamento de emoções
no trânsito, inclusive da raiva
que se traz de casa ou trabalho", diz Júlio Cesar Rosa, psiquiatra da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego. Não
que toda pessoa com comportamento raivoso tenha necessariamente um transtorno impulsivo, afirma. "Mas as que têm podem ser perigosas e deviam buscar tratamento."
O pior dos mundos, diz Rosa,
é quando se chega à conjunção
de três fatores: o carro servir de
objeto de poder que torna o
motorista "senhor da razão"; o
trânsito servir para canalizar e
extravasar a raiva anterior; e a
presença de um transtorno impulsivo. "Aí, sim, tem-se um
prato cheio para a violência."
Opinião que vai ao encontro
do resultado que o psicólogo
Luis Alberto Presa obteve em
uma pesquisa com 180 motoristas de Porto Alegre, utilizando um "inventário de estado-traço de raiva" para medir a
agressividade do comportamento no trânsito. E ele afirma: "Há uma associação direta
entre sentimento raivoso e incidência de infrações."
Pedestre x motorista
"O clima no trânsito é o de
um campo de batalha", onde o
comportamento agressivo está
ligado ao embate entre o interesse pessoal do motorista
(chegar) e o interesse público
(segurança). Mas ninguém se
sente protagonista desse caos.
É o que aponta uma outra
pesquisa, do Detran-ES, com
500 motoristas do Espírito
Santo, finalizada no começo
deste ano e coordenada pelo
antropólogo Roberto DaMatta.
A análise, qualitativa, baseada nas respostas dos motoristas, indica que a agressividade
no trânsito tem "uma base social" -o conflito entre privado
e público. Isso porque, diferentemente do resto da sociedade,
o trânsito seria um lugar de
"igualdade forçada", onde todos têm as mesmas chances de
acelerar ou ter de esperar.
"Você está num BMW e olha
para o lado e tem um carinha
que acabou de comprar um carro", sugere DaMatta. "Aí, quando você tenta usar o velho "sabe
com quem está falando?", no
trânsito, isso acaba em acidente." E o pior "é que o anonimato
garante a impunidade", diz.
"A via pública, que é um local
de igualdade, suscita uma disputa entre os usuários", concorda a diretora-geral do Detran-ES, Luciene Becacici. "É
onde o motorista se sente superior aos demais, como se o carro fosse um espaço privativo
dentro do qual ele faz a própria
lei". Se essa lei é transgredida, a
resposta pode parecer desproporcional. É que "ele reage como se aquela fechada, aquela
agressão fosse pessoal, fosse
contra o próprio corpo."
Por outro lado, o motorista,
ao andar a pé, critica os outros
-aí eles são barbeiros, irresponsáveis, perigosos. "Quando
se está nas calçadas, critica-se o
veículo que passa perto dos
nosso filhos no canteiro, é a posição de pedestre", diz Becacici.
"Mas amanhã ele vai entrar no
veículo, e o carro vai transformá-lo em um cidadão reativo."
É como o desenho que sempre funciona para deixar o motorista culpado por alguns minutos. O personagem Pateta,
dos estúdios Walt Disney, é um
cidadão pacato e pedestre cauteloso, que, de repente, se
transforma num monstro, no
exato momento em que assume o volante do carro. Chamado "Loucuras no Trânsito", o
episódio é de 1950, mas ainda
serve nas palestras sobre psicologia no trânsito feitas por Luis
Alberto Presa.
(WV)
SAIBA MAIS
Inscrições para o grupo de TEI
do Hospital das Clínicas podem
ser feitas pelo telefone 0/xx/
11/3069-6975, de preferência
às quartas, das 10h às 16h; o
tratamento dura 20 semanas
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