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DANUZA LEÃO
A falta de juízo
Voltar aos 20 anos, sabendo de tudo que se sabe agora, é o sonho de quase todas as
pessoas. Mas seria bom mesmo? E
quais as vantagens?
Ok, você estaria lindinha, com
tudo no lugar, sem uma só microcelulite para contar a história, os
cabelos brilhando e nem um músculo no corpo, já que a carne está
tão durinha que parece que saiu
do freezer. Com todos esses atributos, estaria pronta para ser a
dona do mundo e, com juízo, não
faria as bobagens que já fez, como
preferir acampar no fim do ano
com o namorado -pobre e que
ainda por cima aprontava- a
aceitar aquele convite para participar de um cruzeiro incrível onde a cada passo surgiria uma
oportunidade -de um novo trabalho, de uma nova viagem, de
um novo amor (rico, é claro). Mas
valeu, não valeu?
Ok, ter juízo é o que se almeja
na vida, e só o tempo -e as pauladas que se leva- ensina. Mas
cá entre nós: não ter juízo nenhum e não medir as conseqüências do que se faz é a melhor coisa
do mundo. Pense nas loucuras
que já fez e responda sinceramente: não foi bom demais?
Lembra quando, para passar o
fim de semana fora, era preciso
inventar uma grande mentira para a família? Dizia que ia para casa de uma amiga na praia -com
os pais presentes, claro; não tinham telefone, mas você não ia
esquecer de ligar.
Até ligava, mas do bar, sentada
no colo do namorado e tomando
uma cerveja; o único problema
era não deixar que nessa hora ele
ficasse beijando sua orelha, só de
provocação, para que a mãe não
desconfiasse. Afinal, mãe também passou pela fase de não ter
juízo e tem memória: do som de
certas risadinhas nunca se esquece. E tem mais: no lugar de voltar
no domingo à noite, você só aparecia na segunda à tarde. Seja sincera: hoje, com uma bela posição
no mercado de trabalho, dois filhos adolescentes e um ex-marido
controlando seus passos, você seria capaz de fazer metade disso? E
a responsabilidade? E o exemplo?
E a culpa?
A verdade é que a graça de ter
20 anos é exatamente não ter
nem responsabilidade nem culpa,
o que prova o quanto era melhor
a vida antes de a gente ter crescido e se tornado um adulto de respeito. E afinal, de que adiantaria
ter o corpo de 20 e a cabeça de um
adulto de respeito? Para dizer a
verdade, nada. Na-da.
Não se estava nem aí para coisa
alguma. Tinha que chegar cedo
da praia porque o almoço era à
1h? Simplesmente não se chegava;
e daí? Ah, mas então não almoçava? Um ovo frito resolvia; e daí? O
box do chuveiro ficava cheio de
areia, para desespero da mãe e da
empregada? E daí? Era um clima
de mais ou menos "e daí" para tudo, o que fazia da vida uma coisa
leve leve, que delícia.
E ninguém esquentava por falta
de dinheiro. Se tinha um show,
sempre havia alguém para descolar os convites; se não descolasse, e
daí? Ficar azarando na porta
já era um programaço, e sempre
tinha um agito depois; um ou
vários.
Beirar a irresponsabilidade,
sair com a meia rasgada decretando que é moda, tirar do baú
da avó uma echarpe velha toda
puída pelas traças, enrolar no
pescoço e ficar deslumbrante,
mentir para a mãe com a cara
mais limpa deste mundo, matar
aula e chegar em casa com a cara
bem sonsa e vermelha de sol, não
era ótimo?
Pensando bem, estou desconfiada de que a grande graça mesmo
não era ter 20 anos, e sim não ter
juízo. E quem tiver a coragem de
voltar a ser tão sem juízo
como quando era jovem é bem
capaz de nunca mais abrir a boca
para dizer que tem saudades
da juventude.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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