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ERA UMA VEZ...
Hábito também promove a interação entre pais e filhos e é a porta de entrada das crianças para o mundo das artes
Contar histórias ajuda a formar inconsciente infantil
DÉBORA YURI
DA REVISTA
Maria Eugênia, 8, cresceu convivendo todas as noites com seus
amigos Come-come e Ninoca.
Suas brincadeiras favoritas aconteciam no seu castelo mágico.
Mas nenhum dos dois personagens existe, nem o castelo: tudo
foi inventado pelo pai da garota.
"Na hora de colocá-la para dormir, comecei a contar histórias
baseadas nos filmes da Disney.
Percebi que ela ficava mais interessada quando eu a colocava
dentro da narrativa", conta o consultor de marketing Carlos
Eduardo de Moraes Lacerda, 50, o
"inventor", do "castelo mágico da
Maria Eugênia" e da "casinha da
ratinha Ninoca".
Quando Pedro, hoje com dois
anos, estava para nascer, Maria
Eugênia começou a ouvir histórias cujo enredo já trazia o futuro
irmão. "Foi o melhor jeito que arrumamos para prepará-la", diz
Lacerda, que compartilha a tarefa
com a ex-mulher, a publicitária
Juliana Geve, 35. "Essa é a nossa
divisão: ela lê livros, eu invento."
Contar histórias, sejam de autores clássicos ou fruto da criatividade pessoal, é uma tradição fundamental para o crescimento. "É
o primeiro contato das crianças
com o percurso de desenvolvimento humano. Elas vêem heróis
e heroínas encarando obstáculos,
vão aprendendo que é preciso enfrentar um problema e buscar solução", diz Regina Machado, 53,
coordenadora do grupo de contadores de histórias do Núcleo de
Arte e Educação da ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes).
Ela ressalta a importância das
histórias na formação do inconsciente infantil. "Personagens como a mãe boa e a bruxa malvada
ajudam a elaborar certas relações
nessa faixa etária, como a ligação
da criança com sua família, além
de transmitir conceitos sobre o
bem e o mal, o certo e o errado."
O hábito ainda promove a interação entre pais e filhos. "Os dois
lados compartilham um espaço
diferente do dia-a-dia e trocam
valores humanos básicos", diz
Machado, que ministra cursos de
contadores de histórias e lançará
na Bienal o livro "Fundamentos
Teórico-Poéticos da Arte de Contar Histórias" (editora DCL).
A ficção infantil, sobretudo o
conto de fadas, é também a porta
de entrada da criança no universo
cultural. A literatura infantil é um
caminho que pode levar a outras
artes, como o cinema", diz Roxane Rojo, professora de lingüística
aplicada da PUC-SP.
Ela sugere que o primeiro livro
da vida seja dado como um presente de nascimento ao bebê. "Ele
será usado um pouco mais tarde,
mas é bom já ir deixando o quarto
do filho cheio de livros", afirma.
Rojo faz um alerta: a escola tem
papel fundamental na criação dos
jovens leitores. "Os próprios pais
têm de valorizar o livro, o que
muitas vezes não acontece. Por isso é obrigação da escola inserir a
leitura no programa desde a educação infantil."
Contadores
O interesse pela atividade fez pipocar cursos que pretendem ensinar como ser um bom "narrador", e grandes livrarias passaram
a incluir em sua programação de
final de semana oficinas com contadores de histórias. "Antes eu capacitava muitos professores, hoje
o grosso do público são pais e
mães", diz o arte-educador Giuliano Tierno, 26, que ministra cursos em todo o Estado.
Com o tempo, segundo Giuliano, o processo natural é que os papéis se invertam, e a criança comece a contar as histórias ouvidas. "Geralmente ela pede para o
adulto contar várias vezes a mesma história, até decorá-la."
Carlos Lacerda conta que ficou
emocionado há algumas semanas, quando levou a filha Maria
Eugênia ao cinema. Juntos, eles
assistiram "Peixe Grande e suas
Histórias Maravilhosas", filme de
Tim Burton que mostra a relação
entre um pai contador de casos
fabulosos e seu filho.
"Acho que a criança que ouve
histórias na cama nunca mais esquece a relação que estabelece
com seu "contador'", diz. Quer jeito mais gostoso de se tornar inesquecível?
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