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EPIDEMIA
Obesidade já é o segundo maior fator de risco na cidade; entre as doenças que ela favorece estão tipos de câncer
39% dos paulistanos têm excesso de peso
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A obesidade já é o segundo fator
de maior risco para a saúde do
paulistano. Pesquisa realizada no
último trimestre de 2003 pelo Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde)
revela que 39% dos adultos estão
com excesso de peso, 15% estão
fazendo dieta e 3% estão tomando
medicamento para emagrecer.
É o que revela, em entrevista à
Folha, o diretor científico da instituição, Carlos Augusto Monteiro,
56, também professor titular da
Faculdade de Saúde Pública da
USP. O primeiro fator de risco, diz
ele, é a sedentariedade: 68% dos
paulistanos não fazem exercícios.
Folha - A epidemia de obesidade,
que atingiu em cheio os Estados
Unidos, já chegou ao Brasil?
Carlos Augusto Monteiro - Sem
dúvida. Nos últimos 20 anos, a
obesidade duplicou entre adultos
e triplicou entre crianças. Entre
adultos temos 10% obesos e 40%
com excesso de peso. No caso de
crianças, perto de 15% têm excesso de peso e 5% são obesas.
Folha - Qual a relação entre obesidade e problemas de saúde?
Monteiro - Em 2002, a OMS (Organização Mundial da Saúde) tentou calcular, por país, o impacto
de fatores de risco sobre mortes e
doenças. Para o Brasil, estima-se
que a obesidade seja o segundo
maior fator nesse ranking.
Folha - Que doenças ela favorece?
Monteiro - A obesidade aumenta
o risco de diabetes, hipertensão,
infarto do miocárdio, acidente
vascular cerebral [derrames],
doenças dos aparelhos respiratório e locomotor, doença da vesícula biliar e até tipos de câncer.
Folha - Câncer?
Monteiro - Principalmente câncer de mama, do intestino grosso,
de próstata e do endométrio. No
caso do câncer de mama, o mecanismo parece estar associado à
produção de hormônio estrogênico pelo tecido gorduroso. A
obesidade aumenta a produção
desse hormônio, o que aumenta o
risco de câncer de mama.
Folha - Então a obesidade "rouba" anos de vida.
Monteiro - Justamente. Em países como o Brasil, a obesidade já
"rouba"" mais anos de vida saudável do que o cigarro. A OMS estima que o primeiro fator que mais
causa mortes e doença no Brasil
seja o consumo excessivo de álcool. O segundo é a obesidade, o
terceiro é a pressão arterial elevada, o quarto é o tabagismo, e o
quinto é o colesterol elevado.
Folha - Há estudos brasileiros
com porcentagens exatas?
Monteiro - Na cidade de São
Paulo criamos um sistema de monitoramento de freqüência de fatores de risco para doenças crônicas de adultos. O primeiro inquérito desse sistema, no ano passado, revela que 68% dos adultos
que vivem em São Paulo são sedentários; 39% têm excesso de peso, 20% são ex-fumantes, 19% fumam e só 4% são magros.
Folha - Não é estranho termos
uma epidemia de obesidade num
país no qual o governo diz que, em
2003, 44 milhões passavam fome?
Monteiro - Na realidade há nisso
um equívoco. Temos 44 milhões
de pessoas muito pobres, mas a
prevalência de mulheres obesas
na região Sudeste, no quartil de
renda mais baixa, é de 14%. No
quartil de renda mais elevada a
prevalência da obesidade é 7%.
Ou seja: pobreza e obesidade estão associadas. A fome, de fato,
como deficiência de calorias, atinge proporções muito menores do
que as que são apontadas. O semi-árido nordestino, onde há problemas de produção e abastecimento
de alimentos, é a única região onde a obesidade não constitui problema de saúde pública.
Folha - O que a OMS diz sobre o
avanço da obesidade no Brasil?
Monteiro - O Brasil tinha prazo
até 29 de fevereiro para ratificar o
apoio à "Estratégia Global da
OMS sobre Alimentação, Atividade Física e Saúde", que é um documento que aquele organismo
deverá aprovar na Assembléia
Mundial da Saúde, em maio.
Quando todos esperavam que o
Brasil ratificasse, sem ressalvas, o
governo enviou mensagem em
que alegou ter dúvidas quanto à
validade científica das recomendações, e, secundariamente, que o
impacto delas sobre a economia
não havia sido considerado.
Folha - Quais são as recomendações da OMS?
Monteiro - De modo sintético,
recomendam-se ações em dois
sentidos: para informar as pessoas sobre as relações entre alimentação e atividade física e para
tornar o ambiente mais propício a
escolhas saudáveis e menos indutor de padrões não saudáveis de
alimentação e sedentarismo.
Folha - Qual seria o ambiente
mais propício?
Monteiro - São previstas ações
no ambiente físico, como políticas
para assegurar a produção e venda de alimentos mais saudáveis, e
no ambiente econômico [taxações e subsídios] e sociocultural,
além de campanhas educativas e
restrições na publicidade de alimentos não-saudáveis, sobretudo
quando dirigidas a crianças.
Folha - A lista desses alimentos
não saudáveis é muito longa?
Monteiro - Eles são basicamente
aqueles que têm uma alta densidade energética, excesso de gordura, de açúcar e de sal, além de
escassez de fibras e de vitaminas.
Um exemplo: os refrigerantes.
Folha - O refrigerante faz mal ou
ele deixa de fazer bem?
Monteiro - As duas coisas. Ele
deixa de fazer bem porque você
deixa de consumir uma outra bebida que poderia trazer nutrientes
essenciais. Mas o refrigerante é
ruim em si porque, além de contribuir para problemas dentários,
ele é um dos fatores de risco comprovados para a obesidade.
Folha - Mas os fabricantes de refrigerantes têm linhas dietéticas.
Monteiro - O refrigerante dietético deixa de causar mal pelo consumo excessivo de calorias, mas a
destruição do esmalte dental -e
a conseqüente perda dos dentes- aumenta igualmente, porque o que importa é o conteúdo
ácido do produto.
Folha - Por que é que, a seu ver, o
Ministério da Saúde não reagiu às
ressalvas do Brasil à OMS?
Monteiro - O que sabemos é que
todo o corpo técnico do Ministério da Saúde reconhece a validade
das recomendações da OMS, mas
quem formalmente transmite as
mensagens do governo brasileiro
para a OMS é o Ministério das Relações Exteriores. A resistência do
governo vem de pressões exercidas por setores do empresariado.
Folha - Em outros países ocorreu
o mesmo tipo de pressão?
Monteiro - De cerca de 50 países
que se manifestaram, apenas quatro foram reticentes: os Estados
Unidos, a Suazilândia, que é um
produtor de açúcar que se sentiu
prejudicado, as Ilhas Maurício e o
Brasil.
Folha - Por que a reação dos EUA?
Monteiro - A única divergência é
com relação ao açúcar. A OMS fixa como limite de consumo 10%
das calorias que têm como origem
o açúcar, enquanto nos EUA não
se admite que haja evidência científica para estabelecer um nível seguro para esse consumo.
Folha - Algum país já limita a publicidade de alimentos?
Monteiro - Muitos países da Europa têm restrições. A Prefeitura
do Rio de Janeiro proibiu a venda
de alimentos não-saudáveis nas
cantinas das escolas municipais, e
a Justiça estendeu a determinação
às unidades particulares. Os alimentos proibidos são frituras, refrigerantes, todos os embutidos
[presunto, lingüiça etc.], hambúrguer, balas, pirulitos, sorvetes cremosos e biscoitos.
Folha - Há alguma reversão da
epidemia de obesidade?
Monteiro - A Finlândia é um dos
poucos países onde há relato de
reversão da epidemia de obesidade. Os finlandeses tradicionalmente consumiam alimentos
com muita gordura. Investimentos na produção de alimentos
mais saudáveis e em medidas de
controle do ambiente, como taxação de alimentos não-saudáveis e
subsídios a alimentos saudáveis,
permitiram deter a epidemia.
Folha - E no Brasil?
Monteiro - Há o exemplo da população feminina do Sudeste que
tem mais escolaridade. Houve,
nela, um declínio da obesidade
nos anos 90, muito possivelmente
por um aumento na percepção da
importância para a saúde de se
manter o peso adequado.
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