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Noite paulistana pós-lei seca "perde" filas e badalação
Para freqüentadores, a famosa noite de points como Vila Madalena, Vila Olímpia, Jardins, Itaim e Moema não é mais a mesma
Donos de bares e restaurantes afirmam que movimentocaiu, em média, 30%
ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA DA FOLHA
Se algum turista desavisado
caísse na balada no último sábado em São Paulo, ficaria desconfiado de ter comprado gato
por lebre. A tão propagada noite paulistana, um dos principais atrativos da capital, não é
mais a mesma, dizem freqüentadores. Nos Jardins, às 22h40,
restaurantes que antes exibiam
filas de espera ofereciam lugares à escolha do freguês. Nos
clubes da Vila Olímpia, nada de
aglomeração, à 1h25. Antes
abarrotados, bares da Vila Madalena davam até para improvisar uma pista de dança, antes
das 2h. Tudo culpa da lei seca,
alegam comerciantes. O movimento caiu, em média, 30%.
Tão badalada pela imprensa
internacional e reconhecida
em todo o país como a mais diversificada e animada, a noite
paulistana está careta. Quem
afirma é Helton Altman, 48, dono dos tradicionais Filial, Genésio e Genial, todos na Vila
Madalena (zona oeste).
"Não temos praia. São Paulo
é noite. Ou melhor, era. Não pode fumar, não pode fazer barulho, por causa do Psiu, e agora
também não pode beber", diz.
"A noite está muito triste."
A reportagem percorreu os
points badalados das 22h30 de
sábado às 4h15 de ontem. Moema, Itaim, Vila Olímpia, Vila
Madalena, Jardins e região
central desenharam o roteiro.
Comerciantes de bares, restaurantes e clubes não pouparam elogios à lei. Redução no
número de acidentes e afugentar bêbados do volante foram
os principais aplausos. Mas eles
não se furtaram a criticá-la.
"O Estado deveria oferecer
contrapartida: metrô e transporte coletivo para as pessoas
poderem sair à noite. Assim,
não sei o que vai acontecer",
disse Regina Vitória, 50, gerente do São Cristóvão, também na
Vila Madalena. "Fiquei até um
pouco deprimida de ver a vila
assim, sem movimento."
Eram 2h20 de ontem. Só cinco mesas do bar estavam ocupadas. Aquele zum-zum-zum
tão característico dos botecos,
não existia. Dava para ouvir o
que as pessoas conversavam.
Dezessete anos de trabalho
na noite paulistana, Luiz Fernandes, 53, gerente do Posto 6,
na Vila Madalena, conseguiu
parar antes das 3h para papear
com a Folha, coisa impensável
na época pré-lei seca. Ele conta
que nunca viu clima tão borocoxô como agora. "As pessoas
vinham de Embu, de Moema,
do Morumbi, para aproveitar a
"estimulante" noite da Vila Madalena, tão famosa, que virou
até novela. Olha agora?"
Senhor Fernandes, não era
necessário muito esforço para
perceber logo o estrago. Bastava um giro no olhar pelas mesas do bar para notar que o clima na Vila Madalena, às 2h49,
era o de fim de feira.
Vinho encalhado
Mesmo em lugares mais tradicionais, voltados para um público maduro, os efeitos da lei
seca eram distinguidos.
Na Mercearia do Conde, no
Jardim Paulistano (zona oeste), a venda de bebidas caiu
50%. "Com a chegada do inverno, estávamos confiantes no
consumo de vinho. Mas, infelizmente, por causa da lei seca,
a coisa está devagar", disse Élio
Oliveira, 30, responsável pela
casa no período noturno.
Do outro lado da rua Joaquim Antunes, o Fillipa amargava uma queda de 40% no
consumo de bebidas. O movimento em geral também caiu.
Ina de Abreu, sócia do Fillipa e
também do Mestiço, disse que
sábado foi um dia atípico. "Ainda não sabemos se é efeito das
férias ou da lei seca", disse. Só
que, naquele momento, a empresária não tinha dúvida.
"Nunca ficamos assim em três
anos de funcionamento."
Deferiu adjetivos como exagerada e radical ao citar a lei seca. "Claro que as pessoas bêbadas não podem dirigir. Agora,
um cálice de vinho? Não faz diferença. Pelo amor de Deus."
Uma taça de vinho equivale a
ter de 0,1 mg/l a 0,29 mg/l de álcool no ar expelido dos pulmões (ou entre 2 dg/l e 5,99
dg/l de álcool no sangue), o que
dá multa de R$ 955, sete pontos
na carteira e suspensão do direito de dirigir por um ano.
"A lei deveria punir quando
de fato os índices de álcool interferirem nos reflexos. As pessoas saem para jantar e apreciam tomar um bom vinho",
conta. "Agora, não pode mais.
Fica esse clima de terrorismo.
Qualquer parada no trânsito,
eu logo penso: "É uma blitz"."
Para escapar de um flagrante,
um grupo de quatro jovens se
reveza, semanalmente, na direção. Ontem de madrugada, a tarefa coube ao estudante de engenharia Fernando Presto Dell
Nero, 20. "Só água e refri", brinca. Na semana passada, quem
ficou na "seca", mas nem tanto,
foi Tiago Rocco, 20, estudante
de gastronomia. "Confesso que
tomei uma lata." Tiveram sorte.
Na volta para casa, passaram
bem atrás de uma blitz.
No próximo sábado, Tiago
Cristovão, 20, assume o papel
de motorista. "Cara, não vou
bobear. Não estou a fim de pagar para ver." Os rapazes, que
moram no Ipiranga (zona sul),
foram ao clube O BarbarO, na
Vila Olímpia, onde a venda de
cerveja sem álcool cresceu
50%.
"Ainda vai levar um ano e
meio ou dois para as pessoas
caírem na real. Essa lei é severa
demais", critica Maria Fernanda Rocha, 30, sócia-proprietária da casa, onde trabalham 70
funcionários. "Todos eles estão
temerosos. Ainda não sabemos
o que vai acontecer. Só sei te dizer que a venda de bebida caiu
pelo menos 20%", diz ela. "Há
um clima de apreensão no ar
que antes não existia."
Cidade vigiada
O cantor e compositor Seu
Jorge concorda. Há cinco anos,
ele trocou o Rio por São Paulo.
"Nunca tinha visto essa história de blitz em São Paulo", diz,
enquanto toma um chope na
madrugada de domingo no Filial. "No Rio, você está andando
em Copacabana e, de repente,
pinta uma blitz." Faz questão
de dizer que é totalmente favorável à lei. "Em Los Angeles ou
Miami, você vai para a cadeia,
cara. Aqui, quem não segura a
onda está ficando em casa."
E você, segura a onda? "Vou
tomar mais um chopinho, pego
meu carro e sigo para casa", diz
o cantor. E olha que, de turista,
ele só tem o sotaque.
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