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MEMÓRIA
Vinte anos após incêndio ter matado ao menos 93 pessoas, moradores querem receber mais atenção da empresa
Petrobras "esqueceu" tragédia, diz Vila Socó
FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CUBATÃO
Duas imagens são recorrentes
nos relatos de quem, há 20 anos,
sobreviveu ao inferno da Vila Socó, em Cubatão (SP): a do homem
que colocou os filhos numa geladeira, na ilusão de assim salvá-los
do fogo, e a de uma família ilhada
pelas chamas em um barraco que
nem sequer ficou chamuscado.
Em um culto multirreligioso na
terça-feira de Carnaval, no próprio bairro, os que ficaram vão reverenciar a memória dos que desapareceram na noite de 24 de fevereiro de 1984, tragados pelo devastador incêndio, uma das maiores tragédias do país.
O fogo resultou do vazamento
de 700 mil litros de gasolina de
um duto da Petrobras que passava sob as palafitas da favela, à época com quase 6.000 moradores.
Oficialmente, 93 pessoas morreram, o equivalente ao número de
corpos encontrados.
"O que mais me revolta é ouvir
que morreram 93 pessoas. E os
bebês que derreteram? E os corpos que acharam em pedaços, divididos? Morreram mais de 200",
suspeita a dona-de-casa Maria do
Carmo da Silva Fagundes, 59.
Após a tragédia, a favela foi extinta e, no lugar, surgiu um bairro
urbanizado, com 1.253 casas de
alvenaria, 4.317 habitantes (segundo censo da prefeitura), ruas
asfaltadas, escola e posto de saúde. A Justiça não apontou responsáveis pelo acidente, mas os atingidos foram indenizados pela Petrobras e construíram novas casas
na própria Vila São José -eles
não se referem mais ao local como
Vila Socó- ou em outros bairros.
Mesmo assim, acham que as
ações da empresa não reparam a
perda das famílias. "Fiquei com
trauma de fogo, até mesmo na minha própria cozinha", diz a aposentada Maria José dos Santos, 52.
"A Petrobras foi a responsável e
nunca investiu nada no bairro. A
única coisa que existe é um curso
de alfabetização de adultos, com
30 alunos. A empresa ainda está
em dívida com a comunidade",
afirma Ednei Manoel de Souza,
28, presidente da sociedade de
melhoramentos local.
Para ele, as condições de segurança no bairro -por onde ainda
passam os oleodutos- são hoje
bem melhores, mas a estatal falha
ao "esquecer" o lugar da maior
tragédia relacionada à empresa.
O prefeito de Cubatão, Clermont Silveira Castor (PL), que,
como médico, atendeu às vítimas
na noite do incêndio, discorda.
"Eles [a Petrobras] fizeram a parte
deles, sim. Houve um resgate do
lado social, com a construção de
novas moradias, e hoje a fiscalização dos dutos é maior."
O coordenador-geral do Sindicato dos Petroleiros da Baixada
Santista (filiado à CUT), Alexandre Jatczak Almeida, aprova a tecnologia de controle operacional
implantada para monitorar os
dutos. Mas diz que o ganho é desperdiçado pela falta de pessoal.
"Há poucos operadores na área
para tomar as medidas corretivas
necessárias", diz Almeida, que
atribui o problema à política de
terceirização da empresa.
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