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DANUZA LEÃO
E agora?
E la está casada há 25 anos,
gosta do marido e é feliz. Eles se
dão bem, são bons companheiros
e a vida corre mansa; mansa, boa
e morna.
Só que depois de tanto tempo
algumas coisas não acontecem
mais: o romance, o coração disparado, as transas enlouquecidas. É
um casamento feliz, calmo e sereno, tão sem sobressaltos que ela
foi perdendo certas vaidades. Dá-se ao luxo de ficar em casa bem à
vontade, com uma calça larga,
raramente se maquia, salto alto
nem pensar e passou de manequim 38 para 42/44, "conforme a
modelagem", como gosta de dizer. É uma mulher tranquila, que
não bota rímel para jantar em casa com o marido -e pra quê?
Tem a mais perfeita consciência
de que a vida anda sem graça,
mas está bom assim mesmo e
sempre soube que não se pode ter
tudo. Só que, às vezes, mesmo nas
existências mais pacatas, coisas
acontecem.
O casal ia jantar em casa de
amigos; com uma certa preguiça,
ela se pintou, botou um salto alto
e, antes de sair, lembrou que precisava comprar um remédio. Como o "Jornal Nacional" estava começando e marido que é marido
tem que ver, ela resolveu descer
rapidinho; e aí, na farmácia, encontrou um homem.
Ele olhou para ela daquele jeito
que não deixa a menor dúvida,
coisa que há muito tempo não
acontecia; ela percebeu e ficou
perturbada, coisa que há muito
tempo não acontecia. Tão perturbada que voltou voando para casa, sabendo que o vulcão -aquele-, que considerava mais do
que extinto, estava bem vivo. Sentiu o sangue correndo nas veias, a
vida entrando por todos os poros
e, enquanto o marido terminava
de ver a TV, tomou dois uísques e
teve um pensamento traidor (o
primeiro de uma série): "Aquele
homem não vê o "Jornal Nacional'".
Há anos achava que a vida para ela já tinha passado e que ter
pequenas emoções como vibrar
com as alegrias dos filhos, sofrer
com seus sofrimentos e achar
uma relativa graça nos netos já
estava de bom tamanho; de repente, percebeu que o outro mundo, do qual havia se esquecido,
continuava existindo e gostou da
idéia. Gostou muito. Nessa noite,
seus olhos brilharam como havia
muito tempo não acontecia e, na
manhã seguinte, acordou outra
pessoa. Teve sonhos: sonhou com
um homem, um qualquer, e ficou
maravilhada. Nem se lembrava
mais direito da cara do tal da farmácia, mas descobriu que estava
viva -coisa da qual havia se esquecido há muito tempo. Que
acontecimento; e agora? Pois é, e
agora?
Não quer mudar nada -em
princípio-, não tem a menor intenção de arranjar um caso -em
princípio- e sabe perfeitamente
que qualquer mulher com o olho
brilhando arranja um homem na
esquina. Mas não acha justo continuar vivendo como uma quase
morta; como é que alguém, em
qualquer idade, pode achar que a
vida está encerrada, que o futuro
não vai ser mais do que um jantarzinho gostoso, ir a um cineminha às vezes, esperar que os filhos
telefonem, com um marido que
não desperta nela rigorosamente
nada, além de uma grande amizade? Um marido para quem ela
não faz charme, não compra uma
camisola mais sexy e com quem
vai para a cama como se estivesse
só?
Se não gostasse dele, se tivesse
raiva, se ele aprontasse, fosse uma
presença desagradável, seria fácil.
Mas não: ele é legal, tudo que pode haver de bom, depois de 25
anos de convivência.
Aos 53, ela fez a grande descoberta: que ainda existe como mulher. Só que não tem coragem de
encarar novos rumos, trocar a segurança pela aventura e por uma
possível solidão futura.
E se pergunta, curiosa: na próxima vez que for à farmácia, bota
um salto alto e um rímel ou se esconde atrás de uma blusa bem
larga e uma sandalinha para se
proteger, não ser olhada por ninguém e não ter tentação de nada?
Tão mais fácil continuar como estava; feliz e conformada, como
sua mãe gostaria.
Está vivendo um momento de
decisão que é só dela e sabe que
para certas coisas não se pode pedir ajuda de amiga nem de analista.
Mulher é um bicho perigoso, e
com elas ninguém sabe o que pode acontecer.
No caso específico, nem ela.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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