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DANUZA LEÃO
Só ela entende
Aí, ela resolveu se separar.
Não tinha acontecido nada; nada de mais. Ele era um bom
marido? Era. Um bom pai? Era.
Tinha a maioria das qualidades
que se pretende de um marido?
Tinha. E os defeitos, eram muitos? Até que não; só que ela não
queria mais.
Mas, sendo de família mais ou
menos careta e mais ou menos
tradicional, não podia se separar
assim sem mais nem menos. Tinha que haver uma comunicação
oficial, e só estava na dúvida se
comunicava antes ou depois do
fato consumado. Conhecendo
bem os pais, resolveu primeiro falar com o marido, para que não
houvesse pressão -a mesma
pressão que foi exercida com tanta maestria quando a irmã mais
velha estava querendo mudar o
rumo da sua vida.
Foi um triunfo, e até hoje, volta
e meia, alguém diz que o casamento foi salvo graças à união da
família.
Só que ela não queria que ninguém salvasse o seu, muito pelo
contrário. Mas não podia fazer as
coisas do jeito que gostaria, e tinha -tinha- que falar com os
pais. Telefonou e disse que ia passar depois do jantar.
Como nenhuma filha vai à casa
dos pais à noite sozinha, quando
chegou perguntaram logo por ele,
e esse foi o começo do pesadelo.
Mas como assim? Ela descobriu
alguma coisa da vida dele? Ele tinha batido nela? Estava faltando
alguma coisa? Ele por acaso deu
para beber? Como a resposta a todas as perguntas era não, o irmão
mais novo teve a ousadia de perguntar se ela estava apaixonada
por alguém, e a resposta foi mais
um não.
Até o novo Código Civil aceita a
falta de amor como razão para
acabar um casamento, mas pai e
mãe, sabe como é.
Ela bem que tentou, só que nem
ela mesma sabia explicar por que
não podia mais dormir e acordar
com ele, jantar na mesma mesa,
passar os fins de semana com a
cabeça longe, sem assunto. Era isso: ela não tinha mais assunto, e
os dele não interessavam mais.
A falta de assunto, evidentemente, não convence nenhum pai
e nenhuma mãe como razão para
uma separação. O pai tentou,
mas como compreender uma coisa que ele não compreendia? Se
achando moderno, fez a pergunta
fatal: "E fisicamente, como vocês
vão?". Ela respondeu que mais ou
menos; por respeito aos anos que
tinham vivido juntos, achou mais
delicado não abrir o jogo completamente -fora o fato de achar
que discutir sexo com pai e mãe
não tem nada a ver. Ainda tentando evitar o pior -que para
ela seria o melhor-, eles quiseram saber se ela já havia falado
com ele. Já, naquela manhã.
Então não tinha mais volta.
Não, não tinha. Sendo assim, tentaram compreender o que tinha
acontecido verdadeiramente, como se ela fosse não uma filha,
apenas uma amiga. É incrível,
mas é mais fácil compreender os
problemas dos menos próximos
que os das pessoas que mais amamos na vida, vai entender.
De pergunta em pergunta, chegaram àquela, a crucial: "Mas ele
não te faz feliz?". Ela pensou, pensou e respondeu: "Até faz".
E foi nessa hora que a ficha
caiu. Ele ainda a fazia feliz, mas
não tinha mais a capacidade de
fazê-la infeliz.
Um raciocínio, convenhamos,
sofisticado demais para pai e
mãe, mas plenamente satisfatório
para ela.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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