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INFÂNCIA
Pesquisa define indicadores para que pediatras possam detectar problemas nas primeiras etapas do desenvolvimento
Bebês sinalizam distúrbios psíquicos
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Júlia, 2 meses, chega para uma
consulta médica. O pediatra checa o peso, a altura e o desenvolvimento motor, auditivo e visual da
criança. Percebe, porém, que a
mãe não conversa e não olha para
o bebê, que, por sua vez, não reage
à aproximação da mãe. O médico
inicia, então, um diálogo para saber a razão do comportamento.
A situação -real, ocorrida no
Hospital Universitário da USP de
São Paulo- revela um dos sinais
clínicos de conflito na relação entre mãe e bebê, que pode desencadear transtornos emocionais na
primeira infância, segundo a avaliação de psicanalistas.
O procedimento do pediatra faz
parte de uma proposta de conduta médica, ainda em "gestação",
que pretende fazer com que esses
profissionais reconheçam distúrbios psíquicos e riscos no desenvolvimento dos bebês durante as
consultas de rotina.
Há cinco anos, uma equipe de
150 profissionais, a maioria pediatras e psicanalistas, trabalha na
elaboração e validação de 31 indicadores clínicos da saúde psíquica
de crianças com até 18 meses.
Alguns deles já fazem parte dos
cadernos de atenção básica distribuído pelo Ministério da Saúde
(veja quadro). Choro constante,
insônia, anorexia e apatia também podem ser reflexos de problemas emocionais na primeira
infância.
A pesquisa, inédita na América
Latina, acontece em 11 centros de
saúde e ambulatórios brasileiros e
é financiada pelo Ministério da
Saúde e pela Fapesp. Cerca de mil
crianças estão sendo acompanhadas por 90 pediatras, que já aplicam os indicadores, experimentalmente, nas consultas de rotina.
Segundo a psicanalista Maria
Cristina Kupfer, do Instituto de
Psicologia da USP de São Paulo,
coordenadora da pesquisa, um
dos objetivos do trabalho é avaliar
a relação entre mãe e bebê. "Queremos, saber, por exemplo, se a
mãe fala com o bebê e se ele reage
ao movimento de fala da mãe. É
sempre o par que será analisado."
Por exemplo, se um bebê colocado de bruços levanta a cabeça e
alça o seu olhar, ele não o faz apenas por estar neurologicamente
maduro, mas também para reencontrar o olhar da mãe. Quando
não o faz, pode haver alguma perturbação nessa relação.
A idéia de desenvolver esses indicadores, explica a psicanalista,
surgiu da constatação de que
muitas das psicopatologias infantis, geralmente diagnosticadas a
partir dos seis anos, aparecem nos
primeiros meses de vida.
Pesquisas neurobiológicas dão
conta de que os primeiros anos de
vida da criança representam uma
fase-chave tanto na formação do
encéfalo como na estruturação do
psiquismo.
A premissa é que, reconhecendo esses sinais precocemente, há
mais chances de reverter o movimento, intervindo na relação da
pequena criança e seus pais.
"[O trabalho terapêutico] não é
nenhuma garantia de destino feliz
ou infeliz, sucesso ou insucesso,
mas é uma possibilidade de sabermos que essa criança se encaminha para ser um sujeito capaz de
expressar os seus desejos e de se
relacionar com mundo e as pessoas", afirma o psicanalista Alfredo Jerusalinsky, diretor científico
da pesquisa.
Nessa fase experimental, explica
ele, os indicadores clínicos foram
aplicados em 4.000 consultas e demandaram um acréscimo de cinco a dez minutos no tempo de
atendimento ao bebê.
Mas como ajustar essa aplicação
nas consultas pediátricas da rede
pública de saúde, que, às vezes,
não passam de 15 minutos?
Essa é uma das preocupações
do pediatra Maki Hirose, professor no Hospital Universitário da
USP. Para ele, é fundamental que
os pediatras tenham boa vontade
de incorporar esses novos conhecimentos à prática médica e que
os gestores de saúde dêem condições para a sua aplicabilidade.
Hirose vem orientado uma
equipe de residentes do HU na
utilização dos indicadores. "Eles
nos instrumentalizam a prestar
mais atenção às questões subjetivas dessa relação mãe-bebê."
Outra preocupação dos profissionais envolvidos no projeto é a
falta de serviços públicos de saúde
mental para receber bebês com
psicopatologias já instaladas.
A pesquisa entra agora na fase
de análise dos primeiros resultados epidemiológicos. Será verificado se o quadro psicopatológico
das crianças acompanhadas terá
o desfecho das previsões estabelecidas na avaliação inicial.
Segundo Jerusalinsky, ainda vai
demorar pelo menos dois anos
até a validação dos indicadores e a
criação de um instrumento que
possibilitará a sua aplicação na
rotina pediátrica.
Para ele, será necessário um sistema de treinamento de curta duração dos pediatras, que respeite
as práticas médicas existentes e as
condições epidemiológicas e de
saúde mental do país.
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