São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2008

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Rapaz espancado em trote supera trauma e volta aos estudos

Ex-aluno da Uninove, Márcio Marques da Silva, 24, fez terapia e teve síndrome do pânico; agora, freqüenta outra universidade

Seis meses após agressão a socos e pontapés, polícia ainda não ouviu veteranos, que tiveram punição administrativa na faculdade

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Seis meses depois de ser espancado num trote no primeiro dia de aula, o estudante de publicidade e propaganda Márcio Marques da Silva, 24, ainda vive à sombra do medo. Teve síndrome do pânico, fez 15 sessões de terapia e chegou a tomar algum ansiolítico de cujo nome nem se lembra mais.
Só voltou a estudar nesta semana, por incentivo das irmãs. E um semestre depois, a polícia ainda não ouviu os agressores, que tiveram punição administrativa -foram suspensos- na Uninove, a faculdade que continuam a freqüentar.
Márcio, que não estuda mais lá, conta que quatro veteranos entraram na sala com spray para pintar os calouros. Ele diz ter se recusado a participar do trote, já que não queria ter a roupa suja porque iria trabalhar.
Ao tentar deixar a sala, afirma que foi empurrado por um dos alunos e espancado por outros três com socos e pontapés no rosto por cerca de três minutos. A agressão só acabou quando foi puxado pelo braço por um colega de classe.
Embora não traga sinais ou cicatrizes da violência física que sofreu, as seqüelas de Márcio são interiores. Hoje, ele não é mais de sorrir. Vive inseguro, olha constantemente para trás e para baixo e -embora pareça um rapaz forte, parrudo nos 72 kg de seu 1,72 m- acha que está sempre sendo seguido.
"Fiquei mais cismado. Não tenho mais aquela confiança de chegar a um lugar e ficar à vontade. Olho para os quatro cantos, observo o movimento, vejo se não tem nada de errado", diz.
Foi assim no primeiro dia de volta às aulas na nova faculdade, na qual tem bolsa integral. Ainda na estação do metrô, a uma quadra do campus, ficou de vigília, à distância, para se certificar de que não havia trote. "Se tivesse, teria voltado para casa." Em vez da zombaria, assistiu a uma aula magna dada por um candidato à prefeitura.

Ansiedade
Depois da violência que sofreu, Márcio não quis mais estudar. "Só de pensar me dava pânico. Ainda hoje fico assustado com qualquer concentração grande de pessoas." Foi atendido por um psicólogo, que o levou a lugares de grande movimentação para conter a ansiedade. Seu maior medo é passar novamente por aquela situação. A mãe, Nilza, era contra que ele voltasse a estudar.
"Se mataram um na USP, imagina o que fazem nessas faculdades particulares", diz ela, ao se referir à morte do estudante de medicina Edison Tsung Chi Hsueh, em 1999.
"Minha vida não podia ter um estrago maior do que aquele que passei. Se ficasse em casa seria pior. Já perdi muitas oportunidades na vida por falta de estudos", diz Márcio ao justificar a motivação que o fez voltar à faculdade.
Das cenas de pancadaria, ele diz lembrar "como um sonho obscuro", do qual tem vagas recordações. Durante o espancamento, pôs as mãos sobre o rosto para amortecer os chutes. Ainda assim teve cortes nos supercílios e coágulos na cabeça.

Outro lado
Em nota, a Uninove disse "que no início de cada semestre adota uma série de ações para promover a conscientização, a integração e as boas-vindas aos calouros, de modo a resguardar a integridade física de alunos, professores e colaboradores".
Procurada pela Folha, a Secretaria da Segurança Pública informou que o inquérito até hoje não foi concluído porque o 23º DP (Perdizes) teve dificuldades para localizar os supostos agressores, já que Márcio teria dado informações imprecisas sobre a identidade deles.
Segundo a polícia, os suspeitos foram intimados depois da colaboração da universidade. O primeiro depoimento estaria marcado para o fim deste mês.
Hoje, Márcio sabe de cor o que diria aos agressores, caso se encontrasse novamente com eles: "Vocês não têm noção das conseqüências que aquilo trouxe para a minha vida". E sairia. Sem bater neles.


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