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TRÂNSITO
Veículos de infratores contumazes somam 60 mil; carros envolvidos em acidentes foram mais autuados do que a média
1% da frota detém 20% das multas em SP
ALENCAR IZIDORO
SIMONE IWASSO
DA REPORTAGEM LOCAL
Eram 11h26 de 14 de janeiro de
1998, mês em que começaram a
vigorar as regras do Código de
Trânsito Brasileiro. Um Escort
passa no semáforo vermelho na
rua Cônego Eugênio Leite, na esquina com a rua Artur de Azevedo, em Pinheiros (zona oeste de
São Paulo), onde uma mulher
tenta atravessar na faixa de pedestres com um carrinho de bebê.
Essa infração, que poderia ter
resultado num acidente trágico,
foi a multa de número 63 desse
veículo no período de dois anos.
Até novembro de 1998, ele ainda
acumulou 120 multas não pagas
no trânsito paulistano -sendo 16
delas por avanço no semáforo
vermelho e 46 por excesso de velocidade. Devia mais de R$ 23 mil.
O Escort foi apreendido. Mas
hoje, às vésperas de completar
seis anos de vigência da lei que
trouxe novas punições, com multas mais caras e possibilidade de
cassação da carteira de habilitação, os chamados infratores contumazes ainda persistem.
Um levantamento da CET
(Companhia de Engenharia de
Tráfego), baseado em dados de
2002, aponta que há um grupo
que equivale a 1,05% da frota e
que é responsável por 19,59% das
multas de trânsito na capital paulista. A média, entre eles, é de dez
multas para cada veículo no intervalo de 12 meses -enquanto
72,78% dos carros não são flagrados em nenhuma infração e
16,46%, em apenas uma.
Esse contingente de infratores
contumazes é formado por aproximadamente 60 mil veículos. É
uma minoria, mas supera a frota
do Guarujá, no litoral sul de SP.
A tão falada "indústria da multa" não serve como justificativa
para esses casos. Um estudo do
engenheiro Horácio Augusto Figueira, da Universidade Anhembi
Morumbi, aponta que a "indústria da infração" tem mais produtividade: de cada 10 mil situações
de ultrapassagem no vermelho e
parada em faixa de pedestres, somente uma é flagrada por fiscais e
equipamentos eletrônicos.
O perfil do infrator indica que
veículos comerciais -motoboys,
ônibus, táxis, caminhões-, cujos
motoristas ficam mais tempo no
trânsito, tendem a desrespeitar as
regras mais do que a média. Essa
não é, entretanto, a principal razão para existir os contumazes.
Doença social
O comportamento deles é explicado tanto pela sensação de impunidade -de janeiro de 1998 a
junho de 2003 somente 19.576
carteiras de habilitação foram
cassadas em São Paulo, número
correspondente a menos de 0,5%
dos condutores paulistanos- como por distração e por uma espécie de doença social.
"Há motoristas com um distúrbio social, com propensão a burlar regras sociais. São sociopatas.
Usam os veículos para compensar
possíveis frustrações", afirma José
Montal, vice-presidente da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego).
Figueira explica a diferença entre os infratores conscientes e os
distraídos. O consciente é aquele
que, mesmo sabendo dos riscos,
comete a infração. O desligado
comete infrações porque esquece
as recomendações. "A multa funciona para os dois casos. O consciente fica revoltado, acha um absurdo, mas sabe que está sendo
punido, porque pesa no bolso dele. Para os desligados, a multa serve como um alerta", diz.
O problema se agrava quando
se trata de um infrator consciente
e rico. "Existe aquele motorista
que tem dinheiro e não liga se for
multado, até mesmo porque não
acredita muito na chance de perder a carteira", diz Philip Anthony
Gold, consultor do BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento) sobre questões de tráfego.
Segurança
"O infrator de hoje é a vítima de
amanhã." "O acidente é a infração
que não deu certo." Essas expressões, que mais parecem slogans
de campanhas educativas, já estão
comprovadas pelas estatísticas. É
por essa razão que os contumazes
representam uma ameaça à segurança do trânsito, que deixou
1.370 mortos na cidade de São
Paulo em 2002.
Uma pesquisa da CET com base
em todos os acidentes fatais de
2000 mostra que os índices de
multas perigosas (excesso de velocidade, passagem no semáforo
vermelho, trafegar na contramão
e conversão proibida) entre os
veículos acidentados são 2,2 vezes
superiores aos de toda a frota:
27,7% deles tinham sido flagrados
nos 12 meses anteriores, contra
12,7% da média paulistana.
Estudo semelhante feito no último mês em Salvador, com base
nos acidentes fatais do terceiro
trimestre deste ano, aponta para a
mesma tendência: 45% tinham
histórico de infrações perigosas.
A média atingia três multas para
cada veículo acidentado. "A irresponsabilidade dos motoristas é
agravada pela sensação de impunidade", reforça Cristina Aragon,
gerente de educação no trânsito
da capital baiana, onde 55% da
frota de 480 mil veículos não receberam nenhuma multa nos últimos três anos e apenas 15% acumularam, nesse intervalo de 36
meses, três ou mais multas.
Na família do estudante paulistano S., 24, a quantidade de pontos somada já seria suficiente para
suspender a habilitação de todo
mundo que mora na casa. No
prontuário de sua mãe são 71
pontos. No do pai, 30. A maior
parte das multas, porém, foi feita
pela irmã dele, de 26 anos -embora os pontos não tenham sido
transferidos para a carteira dela.
Ele afirma que a maioria é por
uso do celular. Para ele, é uma
mistura de displicência, distração
e certeza de impunidade. S. diz
ainda que não conhece ninguém
que já teve a carteira cassada.
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