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Gênio pobre ganha mecenas para estudar
Programa dá bolsas de estudo a alunos talentosos de escolas públicas para melhores colégios particulares do Rio e de SP
Instituto Social Maria Telles tem orçamento de R$ 4 mi e escolhe candidatos com base em testes que avaliam potencial de aprendizagem
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Bruno Henrique da Silva, 13,
aluno da sétima série, é filho de
Silvana, 37, cabeleireira, mãe
solteira, que há três anos e meio
migrou de Campo Grande (MS)
para São Paulo em busca de novas oportunidades profissionais. O menino mora com a
mãe e a única irmã, Flávia Laís,
21, em um quarto com banheiro
e cozinha no bairro do Bexiga
(centro de São Paulo). Silvana
atende em domicílio e se acostumou a deixar o caçula no
Conjunto Nacional enquanto
se dirige às casas das clientes,
na região da avenida Paulista.
O garoto perdeu a conta das
horas passadas na Livraria Cultura, lendo tudo o que lhe caísse nas mãos durante o trabalho
da mãe (renda de R$ 1.000
mensais). Bruno nunca foi ao
Playcenter ou ao Hopi Hari,
mal se lembra do último filme a
que assistiu, não tem telefone
fixo em casa, iPod ou computador. A mãe só estudou até a
quinta série. O pai, ele viu apenas uma vez, quando tinha três
anos. Mas Bruno é um dos melhores alunos de um dos melhores colégios particulares de
São Paulo, o Bandeirantes, R$
1.385 só de mensalidade.
É rotina pesada. De manhã,
das 7h às 12h, o menino assiste
a aulas na Escola Estadual Rodrigues Alves, na avenida Paulista. Então, vai para o Bandeirantes, onde almoça. Das 13h50
às 17h40, tem aulas com uma
turma de 20 alunos oriundos
de escolas públicas como ele,
para se alinhar ao padrão de excelência educacional cultivado
pelo Bandeirantes. De volta para casa (percurso de 2 km, feito
a pé, sozinho), Bruno ainda estuda mais três horas.
A mesma vida o garoto terá
na oitava série. A idéia é torná-lo apto a acompanhar o ensino
médio regular do Bandeirantes
(R$ 1.507 apenas de mensalidade, sem contar material didático e outros investimentos).
A inequação que relaciona os
custos com a educação de Bruno e a renda de sua família só se
tornou viável porque o garoto
foi aprovado no Ismart, um
programa de incentivo que dá
bolsas de estudos e leva estudantes de escolas públicas muito talentosos e de baixa renda
para estudar nos melhores colégios particulares -espécie de
mecenato.
Segundo a mãe de Bruno, o
colégio Rodrigues Alves, que o
menino ainda freqüenta, "é
muito fraco". "Meu filho acaba
indo ao colégio só para enfeitar
o prédio. Um dia não tem aula
porque o professor faltou; outro, também. Já houve caso de
chegar o final do ano, e o Bruno
ainda estar no segundo ou terceiro capítulo do livro didático.
Um atraso".
Informantes
Inês Boaventura França, 45,
é psicóloga e gerente técnica do
Ismart -o nome é uma abreviação de Instituto Social Maria Telles-, que tem orçamento anual de R$ 4 milhões e vive
de doações de pessoas físicas e
grandes empresas. Segundo
Inês, para localizar os geninhos
pobres (renda per capita familiar máxima de R$ 570), a equipe técnica do Ismart conta com
uma rede valiosa de informantes: os professores da rede pública de ensino -responsáveis
pela maior parte das indicações
de candidatos ao programa.
Mas o pessoal do Ismart quer
os melhores dentre os melhores e, por isso, submete a meninada inscrita a uma seleção rigorosa, que levará em conta
principalmente o potencial de
aprendizagem. Aprovam-se
apenas 5% do total de inscritos,
mesmo índice de faculdades hiperconcorridas.
Em São Paulo, o Ismart mantém parcerias com os colégios
Santo Américo, Vera Cruz, Santa Cruz e com o Objetivo, além
do próprio Bandeirantes.
Atualmente, há 220 alunos
atendidos (cem no Rio de Janeiro e 120 em São Paulo).
Despesas com material escolar, transporte, uniforme, alimentação e acesso a espetáculos culturais são pagos pelo
projeto. O objetivo de tudo é o
sucesso. É transformar meninos pobres -mas geniais- em
profissionais de sucesso,
"CEOs das empresas mais importantes", conforme explica a
gerente Inês, referindo-se à sigla inglesa que designa presidentes de corporações.
Segundo o site do projeto, espera-se, "assim, contribuir para
mudar a composição da futura
elite intelectual brasileira, garantindo que seus líderes reflitam a verdadeira face do país".
Para Inês, o valor máximo no
Ismart é o mérito. "Cultivamos
a meritocracia." Na prática, é
uma pauleira. Se o menino não
acompanhar o curso, apesar do
apoio dos psicólogos, um abraço. Um em cada quatro alunos
perdem-se no meio do caminho ou são excluídos. O objetivo, diz Inês, é atingir a marca de
80% de aproveitamento.
Para os pais dos vencedores,
é um orgulho. A quitinete de 18
metros quadrados no bairro da
Liberdade (centro de São Paulo) em que se espreme a família
de Jefferson Danilo de Sousa
Pacheco, 13, na sétima série, pai
comerciante da rua 25 de Março (famosa pelos camelôs), mãe
dona-de-casa e um irmão de sete anos, por exemplo, fica em
silêncio total quando o adolescente precisa estudar. A mãe
abre mão da novela, o pai assiste ao futebol com a televisão
muda. "Temos de ajudá-lo a
realizar o sonho de se tornar
um grande escritor", diz a mãe,
Maria Lucilene de Sousa, 38.
Também é assim com a família de Bruno Resende Domingues, 15, segundo ano do ensino
médio, morador no Grajaú
(bairro pobre da zona sul de
São Paulo) e vencedor em uma
Olimpíada de Matemática. O
pai, aposentado por invalidez
com renda de R$ 1.500, fazia bico de carreto com uma Kombi
velha só para comprar livros
para o filho.
Apesar da adesão, o professor
Júlio Groppa Aquino, da Faculdade de Educação da USP, tem
uma nota ácida: "Quando a gente começa a achar que é preciso
retirar os melhores talentos da
escola pública a fim de salvá-los, é porque o ideal republicano acabou".
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