São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003 |
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GILBERTO DIMENSTEIN Fama de galinha
Ao atirar uma galinha contra a prefeita Marta Suplicy,
na segunda-feira, durante as comemorações do centenário do
Centro Acadêmico XI de Agosto,
o estudante Ernest Hellmuth
transformou-se na celebridade da
semana. Virou estrela da mídia e
um político chegou a lançá-lo
candidato a vereador. Quem convive com educadores que trabalham com jovens de classe média sabe que a brincadeira de Hellmuth não é um episódio isolado. A irreverência que redunda em deboche é rotina em sala de aula e faz do professor uma vítima -vítima também dos pais, que não conseguem ou não querem lidar com os limites de seus filhos. A dificuldade de perceber e respeitar o outro acaba de ser medida por uma pesquisa da Ipsos Brasil em nove capitais brasileiras com estudantes de escolas privadas. O resultado é estarrecedor. Entre os entrevistados, 59% disseram que "fazem o que querem e não se preocupam com os outros". É um enfrentamento das regras de convivência. Isso explica por que, segundo a pesquisa, 45% dos alunos das escolas privadas dizem que, "em alguns momentos, é aceitável desobedecer à lei". Apenas num ambiente de percepção da impunidade tantos jovens desenvolveriam tamanho desdém: 82% deles vêem falhas na Justiça e acreditam que a impunidade seja a regra, o que, no seu entender, explica por que a criminalidade chegou tão longe. A violência fez os muros subirem e as grades serem implantadas, distanciando ainda mais o outro. O espaço de convivência público é o espaço da ameaça nos grandes centros. Nas reuniões reservadas das escolas, professores e psicólogos falam frequentemente da sensação de impotência diante da atitude de alunos. Percebem uma desmotivação crônica, gerada pela falta de valores e de objetivos, assustam-se com o consumo de drogas e de álcool nas festas, constatam a dificuldade crescente, para os jovens, de entrada no mercado de trabalho, cada vez mais exigente. Muitas vezes, a escola é mais um dos cenários de marginalidade, incapaz de se adaptar ao novo ritmo de conhecimento. A era da informação, com sua multiplicidade de estímulos, está gerando jovens hiperativos, com dificuldade de selecionar informações relevantes, mergulhados na avalanche diária de dados: assistem à TV, submetida ao ritmo de metralhadora giratória do controle remoto, ao mesmo tempo em que falam ao telefone, ouvem o rádio, plugam-se na internet e ainda tentam fazer a lição de casa. Nesse ambiente interativo, virtual e tridimensional, adaptar-se à linearidade do livro é um suplício. Como é um suplício a aula de apenas uma dimensão, na qual o professor, que sabe tudo, fala para o aluno, que não sabe nada. As escolas que têm conseguido lidar melhor com esse desdém coletivo são aquelas que, além de abrir canais de diálogo com os pais e os alunos, aproximam o cotidiano da sala de aula e, além disso, estabelecem laços com a comunidade, fazendo da rua uma extensão do aprendizado. É extraordinária a transformação dos estudantes quando participam de trabalhos comunitários e vivenciam o valor do conhecimento. Daí que esse tipo de atividade deveria ter, na grade curricular, seu status equiparado ao de matérias como ciências, português ou matemática, pois ensina a perceber o outro e a saber conviver com ele um requisito indispensável de civilidade. Não distinguir a ofensa da irreverência é algo que se deve à falta de percepção do outro, sintoma de um culto ao individualismo, o que hoje se mistura ao narcisismo dos tais 15 minutos de fama, que fazem um jovem e uma galinha subitamente virarem estrelas. A pouca consistência dessa fama faz lembrar a inconstância atribuída a homens e mulheres que não param de "ciscar" com qualquer um e em qualquer lugar -e tornaram galinha um adjetivo próprio para designar aqueles que agem com superficialidade. A fama de galinha é o que melhor expressa a ansiedade pela notoriedade rápida e a qualquer custo. PS - Coloquei na página do Aprendiz (www.aprendiz.org.br) a pesquisa da Ipsos Brasil, na qual se comparam os estudantes de escolas particulares com os de escolas públicas. É possível observar que, apesar das diferenças econômicas, a percepção de mundo dos dois grupos é semelhante. E-mail - gdimen@uol.com.br Texto Anterior: Fuvest: Isenção de taxa deve ser pedida até as 17h Índice |
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