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BOTICA MODERNA
Com mais farmácias, variedade de produtos e problemas na fiscalização, setor registra casos graves e até mortes
Expansão eleva risco de remédio manipulado
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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Cristiane Ferracine, 25, prepara fórmula de shampoo em farmácia de manipulação de São Paulo |
LAURA CAPRIGLIONE
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
Preços mais baratos, balconistas
gentis, atendimento personalizado, decoração acolhedora e a oferta de qualquer tipo de remédio,
mas sempre confeccionado artesanalmente. Com esses chamarizes, as farmácias de manipulação
vêm conhecendo um avanço sem
precedentes. Há cinco anos, eram
3.100 em todo o país. Hoje, contam-se 5.356, um crescimento de
73%. As farmácias e drogarias
convencionais são 56 mil.
Responsáveis por um faturamento anual de R$ 1,3 bilhão, ou
9% de todo o mercado de remédios brasileiro, os laboratórios
das farmácias de manipulação
preparam desde florais de Bach
até anticonvulsivos e hormônios.
No meio de tanta diversidade,
essas farmácias prestam um serviço essencial: fazem remédios em
dosagens específicas para bebês
(que não podem usar dosagens de
adultos), atendem a pacientes que
não podem ou não conseguem tomar o medicamento na forma como ele se apresenta industrialmente, ou, caso ainda mais comum, preparam fórmulas em
apresentações específicas para
um determinado paciente.
No entanto, o crescimento do
setor, associado a dificuldades de
fiscalização pelos órgãos sanitários, tem feito crescer os riscos aos
usuários. Não que esse risco seja
exclusividade do setor. Basta lembrar de casos em que a indústria
farmacêutica errou, e feio.
O remédio de contraste radiológico Celobar (do laboratório Enila) matou pelo menos 16 brasileiros em 2003. As pílulas anticoncepcionais Microvlar (da Schering), por falta do princípio ativo,
ocasionaram centenas de gravidezes indesejadas. Mais recentemente, o antiinflamatório Vioxx
(da Merck), que aumentava o risco de derrames e problemas cardíacos em usuários contínuos, foi
retirado do mercado.
Acontece que esse tipo de falha
de conseqüência grave tem ocorrido também com medicamentos
manipulados. Com base em informações coletadas entre 2000 e
2003, o Instituto Nacional de
Controle de Qualidade em Saúde
(INCQS) da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) comprovou, entre
as denúncias contra remédios
manipulados, 27 ocorrências graves, que levaram a óbitos, comas e
intoxicações. Onze ocorreram
com crianças. Cinco morreram.
Esses casos são exceções. Uma
farmácia média de manipulação
avia mensalmente cerca de 50 receitas com princípios ativos que
oferecem algum risco se mal formulados. Como são 5.356 farmácias, são 267,8 mil receitas por
mês. Ou mais de 3 milhões em um
ano. Ainda que os 27 casos tivessem ocorrido em um só ano, não
haveria mais do que 0,0009% de
chance de ocorrer algo grave com
tais remédios. Em quatro anos,
essas chances caem para 0,0002%.
"Esses são apenas alguns dos casos mais graves de reações adversas ocorridas pelo uso de medicamentos manipulados e que deram entrada no INCQS. A idéia
era exemplificar a gravidade da
manipulação de medicamentos
em farmácias magistrais", explica
a pesquisadora da Fiocruz Maria
do Carmo Miranda.
São riscos assim que vêm obrigando autoridades sanitárias, médicos, farmacêuticos, fabricantes
e importadores de insumos a se
sentar juntos para discutir a regulamentação do setor.
O exemplo da artesã Ana Maria
Assumpção, 51, é eloqüente a respeito dos atrativos das farmácias
de manipulação: "Vou à farmácia
de manipulação para fazer um
antidepressivo e para uma fórmula para artrite que tomo há anos",
conta. Ela usa o cloridrato de sertralina, o princípio do antidepressivo Zoloft, e paga R$ 41 por 120
comprimidos.
Nas drogarias, 20 comprimidos
de Zoloft (um sexto do que Ana
leva para casa) custam, em média,
R$ 65. Os mesmos 120 comprimidos sairiam, portanto, por R$ 390
-quase dez vezes o que ela paga
pela formulação manipulada.
Já quanto ao remédio para artrite, que toma há quase 30 anos, a
escolha da farmácia de manipulação decorre da praticidade: "Meu
médico faz um coquetel. A fórmula tem a medicação para artrite, outra para osteoporose, outra
para colesterol e, se a mistura atacar meu estômago, ele já coloca
algo para amenizar esse efeito.
Em vez de um monte de comprimidos, tomo um só".
Essa é uma das características
mais valorizadas da farmácia de
manipulação: a possibilidade de
individualizar as fórmulas, segundo as características do paciente.
Antes da chegada dos laboratórios estrangeiros ao país, o que
aconteceu principalmente nos
anos 50, o Brasil dependia das fórmulas magistrais, aviadas por farmacêuticos de aventais brancos,
espécie de alquimistas em suas
boticas misteriosas.
Mas a industrialização acelerada do setor farmacêutico teve como contrapartida a quase extinção de uma categoria profissional
inteira: a dos farmacêuticos. Importados os ingredientes, nas
plantas fabris nacionais, eles eram
misturados e embalados. Para
quê farmacêutico?
Em meados dos anos 60, chegou-se a discutir a suspensão de
cursos de graduação em farmácia.
Motivo: falta de alunos interessados em seguir a carreira.
Nos anos de 90, no rastro da legislação sobre os genéricos, os
consumidores se acostumaram a
comprar remédios pelo nome do
princípio ativo.
Segundo Roberto Luiz D'Ávila,
corregedor do Conselho Federal
de Medicina, "isso pode ter colaborado para a proliferação das
farmácias magistrais".
Tempo das vacas magras ultrapassado, o curso de farmácia e
bioquímica já é um dos mais concorridos no vestibular da Universidade de São Paulo, com 17 candidatos por vaga. Outro indicador: na quinta-feira da semana
passada, aberto oficialmente o 2º
Congresso da Associação Nacional das Farmácias Magistrais, o
que se viu foi um segmento responsável por 60 mil empregos diretos e 235 mil indiretos.
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