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GILBERTO DIMENSTEIN
O salário mínimo está mais para medo do que para esperança
Num misto de revanche com
brincadeira, o PFL passou a
defender a proposta do deputado
Paulo Paim (PT-RS), um dos cotados para ministro do Trabalho,
de um salário mínimo de R$ 240.
Se Lula não tivesse vencido as
eleições, o PT faria do aumento
do salário mínimo mais um incômodo para o novo presidente,
acusando-o de insensível, submisso aos interesses dos bancos; em
nome do "povo", o partido desprezaria os argumentos baseados
nas restrições orçamentárias.
Quando anunciar o novo salário mínimo, seja ele qual for, Lula
terá passado pelo seu primeiro e
monumental desafio como presidente -aí se encontra o inevitável início do fim da lua-de-mel
com o eleitorado, quando se vai
perceber, num tema tão visível e
sensível, a diferença entre o que se
prometeu no palanque e o que se
oferece no "Diário Oficial". É a
pedagogia da realidade.
Suponha-se que, para agradar
aos cidadãos, Lula decida dar o
aumento tão ardorosamente defendido pelo PT. Virão os aplausos e a alegria dos idosos, cujas
aposentadorias serão reajustadas. Em poucos meses, porém, todos sentirão que, mesmo com
aquele aumento, o salário ainda é
baixo. Em nome desses efêmeros
aplausos, o novo presidente terá
consumido quase R$ 5 bilhões do
Orçamento com os aposentados.
Drenar R$ 5 bilhões para os idosos é uma boa idéia? Do ponto de
vista humano, levando em conta
o drama de quem vive de aposentadoria, obviamente sim. Mas socialmente será um bom investimento contra a pobreza?
Se essa questão for apresentada
aos técnicos do Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada),
onde mais profundamente se estudam hoje políticas contra a miséria, a resposta deles será próxima disto: por mais doloroso que
seja, drenar R$ 5 bilhões para os
idosos é um desperdício.
Na fria análise daqueles economistas, o idoso aposentado já está
longe do auge de sua produtividade, pouco colaborando com o
enriquecimento material do país.
Esses mesmos recursos teriam, na
visão do Ipea, outra relação custo-benefício se aplicados na melhoria da educação pública. Tais
investimentos significariam um
trabalhador mais educado e, assim, mais produtivo, capaz de gerar riquezas. "Temos 10% dos
idosos vivendo nas famílias mais
pobres, onde estão 50% das crianças", compara José Márcio Camargo, professor da PUC do Rio.
Um dos maiores especialistas
em políticas contra a miséria, Ricardo Paes de Barros, lembra que
a criança de hoje é o adulto de
amanhã. A prioridade, segundo
ele, só pode ser a educação. Traduzindo: com mais R$ 5 bilhões
seria possível, por exemplo, quase
triplicar o valor da bolsa-escola.
Por mais e melhor que se gaste o
dinheiro público, tudo o que for
feito será pouco diante da amplitude da miséria e, por mais rapidamente que se faça, será devagar. Cobre-se de um lado, descobre-se de outro.
Nada disso é novidade para
quem presta mais atenção a números do que a discursos de palanque. Novidade é que Lula assume a Presidência quando se
dissemina entre técnicos e criadores de políticas públicas a convicção de que os recursos sociais são
desperdiçados -desfocados,
fragmentados, atendem a todos e
a ninguém ao mesmo tempo.
Mais: divulgam-se estudos que
colocam em números o custo da
falta de eficiência na busca da
avaliação de impacto dos programas sociais. Estima-se, por exemplo, quanto determinado investimento para a melhoria do ensino
fundamental aumentará o PIB de
uma nação.
Parte do avanço dessa consciência se deve ao PT, partido em que
nasceram projetos com aversão
ao paternalismo, sempre orientados pelo princípio de que se deveria exigir uma contrapartida que
estimulasse a autonomia do beneficiário; tais idéias viraram referência e transformaram-se em
políticas federais, estaduais e municipais. O melhor exemplo disso
é a bolsa-escola.
Um dos avanços nacionais é que
as políticas públicas começam
lentamente a sair da esfera do
clientelismo político e da piedade
assistencial -diferentes nos propósitos, porém equivalentes em
desperdício.
As críticas ao programa Fome
Zero, com os tais cupons de alimentação, não refletem oposição,
mas uma visão que o próprio PT
ajudou a cultivar. Daí que o programa da fome chama menos a
atenção pela vontade de acabar
com a desnutrição do que pelo
risco de baixa eficiência.
P.S. - O PT tem lutado há tempos por uma causa correta: mais
recursos para a educação infantil.
Ou seja, mais creches e pré-escolas, atingindo a fase de zero a seis
anos. O dia em que universalizarem o atendimento às crianças
dessa faixa etária, dando às famílias um estímulo semelhante ao
proporcionado pela bolsa-escola,
a fome será coisa do passado -e,
ao mesmo tempo, milhões de brasileiros estarão mais preparados
para o progresso educacional.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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