São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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RIO SOB TENSÃO

Nas mais importantes favelas, as "bocas" ficam a poucos metros dos policiais, sem que eles atuem para reprimi-las

PM convive com pontos-de-venda de drogas

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Policiais ocupam a entrada do beco da rua 1, onde funcionava o maior ponto-de-venda de drogas da favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, palco de confronto entre grupos de traficantes

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Nas mais importantes favelas do Rio de Janeiro, equipadas com postos da Polícia Militar, a venda de drogas ocorre em pontos fixos, as chamadas "bocas", sem que os policiais que trabalham na comunidade atuem para reprimi-la.
A espécie de política de não-agressão firmada entre os traficantes de drogas e os policiais militares fica evidente quando se verifica a pequena distância entre as "bocas" e os PPCs (Postos de Policiamento Comunitário).
Os exemplos são muitos. O mais atual é o da favela da Rocinha (zona sul do Rio de Janeiro), cuja guerra do tráfico, ainda em curso, repercutiu até no exterior. Em menos de duas semanas, 12 pessoas foram mortas em tiroteios. Morreram traficantes, policiais e moradores inocentes vítimas de balas perdidas.
A Rocinha tem dois PPCs. Em um raio de um quilômetro ao redor deles, funcionam as cinco "bocas" de cocaína e maconha da favela. Cálculos da Secretaria de Segurança Pública do Estado indicam que a venda de drogas na favela rende cerca de R$ 50 milhões por mês. Um dinheiro que passa bem perto dos PPCs.
Os pontos-de-venda de drogas da Rocinha funcionam na rua 1 ("quartel-general" do tráfico) e nas localidades chamadas de Valão, Via Ápia, Cachopa e Vila Verde. São fixos, conhecidos de clientes, moradores e policiais.
Existem ainda as "bocas" itinerantes, em que traficantes andam pela favela com pacotes de cocaína e de maconha.
A "boca" não é um imóvel. É um lugar a céu aberto em que traficantes bem armados vendem suas mercadorias. O movimento é intenso. Muitos clientes consomem a droga ali mesmo, bebem, namoram e conversam.
Nas noites de sexta-feira e sábado a estrada da Gávea, que atravessa toda a Rocinha, fica lotada de carros de clientes do tráfico.
Na favela, todos sabem onde é a "boca", que só se dissolve com uma invasão policial de grande porte, como a que está acontecendo agora na Rocinha.
O PPC é um posto da PM destinado ao atendimento da população local. Como na favela o tráfico não aprova o contato do morador com a polícia, os PMs passam o dia dentro do posto, sem ter muito o que fazer. Mesmo assim, poucos se arriscam a ir muito longe. Na Rocinha, cada PPC tem seis policiais por turno de 12 horas.
Há outros exemplos incríveis da proximidade entre as "bocas" e os PPCs: os dois pontos-de-venda da parte baixa do morro da Mangueira (zona norte) estão a 150 metros do PPC da PM. A mesma distância separa a " boca" do Telégrafo, no alto da favela, do segundo PPC da comunidade.
A venda de drogas na Mangueira acontece nas travessas conhecidas como Buraco Quente e Olaria, nas laterais da sede da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. O PPC está localizado em frente à escola. Os PMs não deixam o posto para impedir a venda de cocaína e maconha.
Na favela de Acari (zona norte), outro exemplo: no interior da favela funciona o chamado "feirão", em que traficantes, aos gritos, vendem cocaína e maconha.
O posto da PM fica a um quarteirão dali. Os policiais não vão até a "boca". Os traficantes não vão até o PPC. O "feirão" só é reprimido quando a favela é ocupada por policiais de fora.
Nem a instalação, há nove meses, de um batalhão inteiro, com cerca de 600 policiais, impede o funcionamento de "bocas" fixas no complexo da Maré -16 favelas que se espalham pelos bairros de Bonsucesso, Caju e Ramos, na zona norte do Rio.
Um deles, na favela Nova Holanda, está a cerca de 300 metros do batalhão. Outros dois pontos-de-venda de cocaína e maconha estão perto do batalhão.
A Folha tentou ouvir durante a semana policiais que trabalham em PPCs. Todos disseram, porém, que são proibidos de dar entrevista. Um deles, que pediu para não ter o nome revelado, contou que as "bocas" não são reprimidas porque os policiais dos PPCs se sentem vulneráveis, pois estão, dentro da favela, em número menor do que o de traficantes.
A Folha tentou ouvir, anteontem de manhã, o secretário estadual de Segurança Pública, Anthony Garotinho, sobre a proximidade entre as "bocas" e os postos da PM nas favelas.
A assessoria da secretaria informou, no entanto, que ele não falaria, mas que o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Renato Hottz, poderia comentar o assunto. No fim da tarde, a assessoria de imprensa da secretaria informou que Hottz também não iria dar declarações sobre o assunto.


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