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DANUZA LEÃO
O oposto da vida
Pobre de quem mora no Rio.
Dar uma volta pela orla de
uma das cidades mais lindas do
mundo tornou-se um perigo;
além de as praias terem
virado pontos de prostituição generalizados, são também os locais
prediletos de marginais e pivetes.
Claro: é lá que vão os turistas.
O comportamento do carioca
foi mudando; sem perceber, as
pessoas foram se trancando em
casa, saindo cada vez menos;
quando saem, fazem um exercício -que já se tornou automático- de pensar no itinerário mais
seguro para chegar onde vão,
mesmo que seja mais longo. Para
quem não sabe: os túneis às vezes
são fechados nas duas bocas, para
facilitar o assalto a quem está
dentro deles.
Muitas pessoas que conheço,
depois de alguns assaltos nos sinais de trânsito, sendo que alguns
violentos, agora só andam de táxi. Os saudosistas ainda se lembram do tempo em que saíam dirigindo em direção à Barra da Tijuca ouvindo um CD, o que hoje
faz parte do passado.
Outro dia fui à casa de um amigo, em Ipanema. A noite estava
linda, e pensamos em ir até a
praia tomar uma água-de-coco.
Não tivemos coragem de sair para fazer o melhor programa do
Rio, o mais bonito, o mais charmoso, o mais barato, o que os turistas do mundo inteiro vêm procurar, de medo. De puro medo.
Na casa dos amigos que moram
na Barra não se pode mais ir; na
dos que vivem em Santa Teresa,
também não. Fins de semana em
Petrópolis ou Teresópolis ficaram
perigosos, com a Linha Vermelha,
e o único lugar em que as pessoas
se sentem razoavelmente seguras
é em casa, depois de entrar e fechar a porta -com a chave.
Mas agora nem isso: os assaltos
são feitos a vários apartamentos
do mesmo prédio por bandos vestidos de policiais. Em casa, o procedimento é, se a campainha tocar, não abrir para receber encomenda, embrulho, correspondência, nada. Nem perguntando
quem é, nem ouvindo a voz do
porteiro: afinal, o assaltante pode
estar com um revólver apontado
nas costelas dele.
Aí a gente pensa em viajar
-até porque terrorismo dá menos medo do que um bando assaltando dentro de sua própria casa.
Só que para chegar ao aeroporto é
preciso passar pela favela da Maré, e só quem já passou por lá sabe
o medo que dá. Os mais cautelosos viajam para o exterior de maneira meio complicada: eles pegam a ponte-aérea do Aeroporto
Santos Dumont (que é no centro
do Rio) até Congonhas, em São
Paulo, de lá pegam um táxi para
Guarulhos e só aí pegam o avião
para bem longe -e na volta, a
mesma coisa.
O perigo é serem assaltados em
São Paulo entre os dois aeroportos, mas esse é um risco a correr.
A semana foi difícil, e depois
que foram colocados 1.300 policiais nas favelas da Rocinha e do
Vidigal, o medo aumentou: se toda a polícia foi mobilizada para a
guerra do tráfico, significa que o
resto da cidade está abandonada,
o que dá mais medo ainda.
As ruas estão desertas, as pessoas, preocupadas, e todos os dias
meu filho me telefona quando está saindo do trabalho e pergunta
como vão as coisas, para saber se
vai dar para ele ir para casa (ele
mora na Barra). A primeira pergunta dele, quando atendo ao telefone, é "alguma novidade no
front?". O que era uma brincadeira virou uma absurda realidade.
Já que somos todos responsáveis, acho que precisamos providenciar um banho de descarrego
em todo o Estado do Rio. Muita
cachaça, farofa e galinha preta
nas encruzilhadas, muito incenso, muita flor no mar.
Só um grande mutirão unindo
deuses e orixás poderá fazer alguma coisa pela nossa querida cidade, que, de uns anos para cá, só
fez se afundar na lama.
Deve ter sido -só pode- trabalho daqueles bem carregados.
Um dia eu ouvi dizer que o
oposto da vida não é a morte, mas
o medo.
Pois é assim que temos vivido
no Rio, dia e noite: com medo.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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